quinta-feira, 27 de setembro de 2007

bienal de música do rio

Compositores selecionados para a XVII Bienal de Música Brasileira Contemporânea

Alexandre Schubert - RJ
Almeida Prado - SP
Andersen Viana - MG
Antônio Carlos Borges Cunha - RS
Antônio Ribeiro - SP
Arthur Kampela - SP
Bruno Ângelo - RS
Bruno Ruviaro - SP
Caio Senna - RJ
Calimerio Soares - MG
Celso Mojola - SP
Cristina Dignarte - MT
Daniel Barreiro - RJ
Daniel Quaranta - RJ
Dimitri Cervo - RS
Diogo Ahmed - RJ
Edson Tadeu - SP
Edson Zamprona - SP
Eduardo Guimarães Álvares - MG
Eli-Eri Moura - PB
Ernesto Hartmann - RJ
Ernst Mahle - SP
Fabio Bizzoni - RJ
Felipe de Souza Lara - EUA
Fernando Iazzetta - SP
Fernando Riederer - Áustria
Frederick Carrilho - SP
Guilherme Bauer - RJ
Gustavo Guerreiro - RJ
H. Dawid Korenchendler - RJ
Harry Crowl - PR
Henrique de Curitiba - PR
Henrique Iwao - SP
Ilza Nogueira - PB
João Guilherme Ripper - RJ
Jocy de Oliveira - RJ
Jônatas Manzolli - SP
José Orlando Alves - PB
Liduino Pitombeira - CE
Lúcio Zandonadi - RJ
Luiz Carlos Csekö - RJ
Marcelo Carneiro de Lima - RJ
Marcelo Chiaretti - MG
Marcilio Rufino dos Santos - RJ
Márcio Steuernagel - PR
Marcos Campello - RJ
Marcos da Silva Sampaio - BA
Marcos Lucas - RJ
Marcos Mesquita - Alemanha
Marcos Nogueira - RJ
Marcus Alessi Bittencourt - PR
Maria Helena Rosas Fernandes - MG
Mario Ferraro - RJ
Mario Ficarelli - SP
Maurício de Bonis - SP
Murillo Santos - RJ
Nestor de Hollanda Cavalcanti - RJ
Nikolai Brucher - RJ
Paulo C. Chagas - BA
Paulo César Guicheney - DF
Paulo de Tarso Salles - SP
Paulo Oliveira Rios Filho - BA
Pauxy Gentil-Nunes - RJ
Pedro Kröger - BA
Potiguara Menezes - SP
Raul do Valle - SP
Ricardo Reis A. de Mattos - RJ
Ricardo Tacuchian - RJ
RJ Marisa Rezende - RJ
Roberto Macedo Ribeiro - RJ
Roberto Toscano - SP
Roberto Victorio - MT
Rodolfo Vaz Valente - SP
Rodrigo A. de Muniagurria - RS
Rodrigo Cicchelli Velloso - RJ
Rogério Costa - SP
Rogério Krieger - PR
Rogério T. Constante - RS
Rogério V. Barbosa - RS
Roseane Yampolschi - PR
Sérgio Di Sabbato - RJ
Sérgio Freire - MG
Silvia de Lucca - SP
Silvio Ferraz - SP
Thiago Sias - RJ
Tim Rescala - RJ
Vagner Bonella Cunha - RS
Yahn Wagner - RJ
Yanto Laitano - RS

contemplados programa de apoio à orquestra

Projetos selecionados para o Programa de Apoio a Orquestras

- Associação Artística de Concertos do Ceará
- Sociedade Musical Bachiana Brasileira
- Centro Cultural Pró-Música
- Fundação Cultural de São Bento do Sul
- Orquestra Filarmônica Musicalizar
- Sociedade Pelotense Música pela Música
- Orquestra Filarmônica Infanto-Juvenil de São Paulo
- Escola de Música da UFRJ
- Filarmônica Nossa Senhora da Conceição
- Artis Collegium Associação Cultural
- Fundação Universitária Estadual de Mato Grosso do Sul
- Instituto Cultural Sérgio Magnani
- Orquestra Sinfônica de Santo André
- Orquestra Sinfônica da Universidade Federal de Mato Grosso
- Associação Cultural Orquestra Câmara Jovem de Ipatinga
- Associação dos Amigos do Centro de Estudos Musicais Tom Jobim
- Fundação Cultural Marina Lorenzo Fernandez
- Sociedade Dramático Musical Carlos Gomes
- Orquestra da Universidade Federal de Pernambuco

A Comissão separou ainda duas propostas suplentes, para o caso de impedimento de alguma das antes referidas, a saber, pela ordem de preferência:
- Orquestra da Fundação Universidade Regional de Blumenau
- Orquestra Sinfônica da Universidade Estadual de Londrina

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

e para que serve mesmo o maestro?, por joão marcos coelho

A pergunta sintetiza a maior angústia que cerca a vida musical de concertos
em todo o mundo – a alta faixa etária do público: como atrair novas e mais
jovens platéias? A resposta óbvia é injetar sangue novo no pódio, romper com
a dança das cadeiras que faz um troca-troca entre os poucos nomes estrelados
da regência e as maiores orquestras do planeta. É o que acabam de fazer duas
sinfônicas americanas ao indicar para seus pódios titulares dois jovens:
Alan Gilbert, 40 anos, assume a Filarmônica de Nova York na próxima
temporada; e o venezuelano-sensação da batuta, Gustavo Dudamel, 26 anos, faz
o mesmo com a Filarmônica de Los Angeles.
O fato é que público, crítica e profissionais ligados ao universo da música
clássica agem como viúvas das grandes superstars da regência, sentem um
banzo danado dos nomes que dominaram as orquestras no último século,
apoiados primeiro no rádio como instrumento de difusão e depois no disco.
Nomes reluzentes de “gênios” como Arturo Toscanini, Leopold Stokowski,
Wilhelm Furtwängler, e depois Herbert von Karajan e Leonard Bernstein. Ainda
há alguns remanescentes desta era: Kurt Masur, Lorin Maazel, Daniel
Barenboim, Sir Colin Davis.
O gesto das filarmônicas de Nova York e Los Angeles é simbólico. Ficaram
para trás os salários astronômicos por contratos onde as superstars
trabalhavam só oito ou dez semanas por ano. Daqui para a frente, tudo vai
ser diferente. O esquema industrial milionário das gravações em CDs + DVDs +
concertos que sustentava a indústria do disco e dos agentes de concertos com
cifras astronômicas é hoje mera lembrança. A Internet democratizou a relação
entre produtores e consumidores de música.
Os 26 anos de Dudamel ou os 40 de Gilbert não são grande novidade em si.
Stokowski tinha 33 quando assumiu a Orquestra da Filadélfia; Bernstein, 40,
e Zubin Mehta 42 ao assumirem Nova York. Mas eles atuaram segundo o modelo
estabelecido no século 19 por Arthur Nikisch, que concebeu a imagem do
maestro moderno, incluindo a carreira internacional, o culto à personalidade
e, claro, baldes de charme e carisma. O desafio agora é outro. Maestros
precisam se reinventar para sobreviver.
Até agora, a regra era: faça um bom trabalho, seja tirano e autocrático, que
todos reconhecerão sua importância. Isso não funciona mais. Deles se
esperava uma performance de super-herói. “E isso”, escreve o dublê de
maestro e musicólogo Leon Botstein, “destruiu a orquestra, tornando a
prática sinfônica uma profissão muito pouco musical. A fonte deste desastre
é que na cabeça do público o maestro é o grande e único responsável por uma
grande performance. A consolidação da regência como profissão legitimou
maneirismos e institucionalizou hábitos de autoridade que exacerbam as
naturais tensões entre os músicos e o maestro.”
Uma das sacadas de Botstein é que o maestro só sobrevive hoje quando se
legitima diante dos músicos por uma atividade que realiza fora do pódio. Os
exemplos são muitos: compositores como Mahler, Bernstein e André Previn;
pianistas como Daniel Barenboim e Christoph Eschenbach; e
maestros-pesquisadores especialistas na prática da música antiga. Dudamel se
legitima porque é garoto-propaganda do sistema venezuelano, um projeto de
educação musical que espanta o mundo; Gilbert, de outro lado, vai ter que
conviver com a sombra de um maestro convidado permanente, uma superstar
remanescente, o italiano Riccardo Muti.
Neste artigo precioso, intitulado “O futuro da regência” (publicado no
volume The Cambridge Companion to Conducting), Botstein, que também é
diretor do Bard College e da American Symphony Orchestra, lista os desafios
que os jovens maestros têm que enfrentar.
1) O concerto hoje está na periferia da cultura contemporânea. As orquestras
e a composição para orquestra eram o centro da vida musical no século 19.
Não mais. O declínio universal da educação musical coincide, ironicamente,
com o notável aumento da produção de instrumentistas altamente qualificados.
Mas para quem eles vão tocar?
2) Diminuiu o papel da música na cultura e também a demanda por música nova.
Com o declínio da importância da música nova, rompeu-se o vínculo entre
presente e passado que sempre foi decisivo para maestros. “Até a década de
60 do século 20 nenhum maestro fez carreira sem um comprometimento com a
música contemporânea”. E cita uma fieira de exemplos. Para Toscanini foi
Puccini; para Reiner foram Strauss, Bartok e Weiner; para Koussevitzky e
Stokowski foram Stravinski, Berg, Copland; e assim por diante.
3) A economia da música sinfônica é deficitária. Ela custa caro; nunca os
subsídios e patrocínios foram tão decisivos. O rádio primeiro, e depois o
disco, funcionaram como seus difusores. “Neste início de século 21, ambos
estão economicamente moribundos. Ironicamente, de novo, no momento em que
perdem a centralidade em importância cultural e política, as orquestras mais
dependem do Estado para subsídio e da iniciativa privada para patrocínio. O
fôlego destes últimos, porém, diminui a olhos vistos. O mercado reina
supremo. Apenas a chamada ‘elite’ parece preocupada com isso. Nas
democracias, é a maioria que influencia os gastos estatais. No setor
privado, os que possuem dinheiro buscam reconhecimento público por meio da
filantropia, e estão mais interessados nas artes visuais, da pintura ao
cinema”.
4) A tecnologia conspirou para tornar mais grave a situação das orquestras.
Apesar da crise atual da indústria fonográfica, o CD ainda é um formato
estável e praticamente indestrutível de estocagem de gravações. Isso sem
contar a pirataria digital e os downloads... “As técnicas de gravação
evoluirão, mas não reviveremos a era das gravações de orquestras. Qualquer
um que pode ir a um concerto tem à sua disposição dezenas de gravações. E os
maestros? Eles saem desesperados em busca da originalidade, quase sempre de
modo forçado.”
5) “Os concertos devem ter curadoria, como os museus. Nenhum museu coloca Da
Vinci ao lado de Mondrian e de uma obra nova de um jovem artista. O maestro
precisa ter uma explicação para as obras de um programa que vá além do ‘eu
quero’, ‘eu gosto’”.
Botstein anota que “a música clássica hoje parece exigir mais conhecimento
prévio do que realmente necessita”. E observa que “a ausência paralela de
expertise não desencoraja as pessoas de ir ao cinema, ao teatro, museus ou
galerias. Porém o ouvinte inteligente e ingênuo não é bem-vindo pelas
orquestras sinfônicas.” É claro que a música instrumental não é tão
acessível quanto as formas artísticas que utilizam palavras e imagens; ela
requer algum tipo de treinamento ou mediação. “Encontrar esta mediação é o
maior desafio de hoje. As soluções mais convenientes falharam – como as
tentativas de popularizar o repertório fatiando-o com truques de
entretenimento. O pior é o maestro que tenta fazer piadas com a platéia”.
Permanece sem solução o desafio de atrair platéias contemporâneas para um
ritual do século 19. Mas parte dela é o fato de que a música tem diante de
si hoje a maior e mais bem-educada platéia potencial em sua história, com
mais tempo de lazer, mais dinheiro disponível e maior expectativa de vida.
Estas são as realidades que o moderno maestro enfrenta, particularmente
quando assume a direção de uma orquestra.
Mas há milhares de orquestras em todo o mundo, e muitos aspirantes a
maestros. Como podem eles enfrentar este desafio? E no Brasil? Nunca, na
história do País, houve tantas orquestras como agora. Tomei um dos maiores
sustos da minha vida na semana passada, quando o IBGE divulgou pesquisa
sobre cultura no Brasil e anunciou que possuímos mais orquestras do que
escolas de samba: 638 sinfônicas contra 632 sociedades recreativas. Onde
estão estas orquestras? São orquestras mesmo? E os seus maestros e músicos?
Quem são, aonde se escondem? Mágica? Cartas e e-mails para a redação ou para
jmcoelho@terra.com.br.

sinfonia do patrocínio, por joão luiz sampaio

Ele é um senhor de aparência pacata, fala tranqüila; pode discorrer horas sobre sua preciosa coleção de LPs e CDs, em especial sobre o xodó especial que tem com coletâneas de árias de óperas, colhidas ao longo de seus 65 anos. Mas Henry Fogel é também presidente da Liga das Orquestras Americanas – e, nessa posição, viaja o mundo discutindo a situação das sinfônicas em palestras, seminários e textos colocados diariamente em seu blog. E, aí, o mesmo tom tranqüilo ele emprega na hora de advogar pela necessidade de modernização dos conjuntos sinfônicos e suas estruturas, abraçando novas tecnologias e desenvolvendo uma relação profissional com patrocinadores. Fogel esteve no Brasil na semana passada, visitando a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, que recebeu o certificado de membro internacional da liga. Com um currículo que inclui postos importante, como o de diretor-assistente da Filarmônica de Nova York e de diretor-executivo da Sinfônica de Chicago, duas das maiores orquestras do mundo, ele é figura privilegiada no cenário musical. Fala de experiência própria sobre patrocínio, sobre a busca por novas platéias e defende radicalmente a necessidade das orquestras de abandonarem uma postura passiva e entrarem de cabeça no mercado em busca de dinheiro e legitimação. “Não dá para ficar parado dizendo: ‘Somos maravilhosos, dê-nos dinheiro.’ Isso é passado”, diz ele em entrevista exclusiva ao Estado, concedida entre reuniões na Sala São Paulo. Quem faz parte da Liga das Orquestras Sinfônicas Americanas? Temos cerca de mil membros, que pagam uma taxa de manutenção, desde a mais complexa das instituições, como as sinfônicas de Boston ou Chicago, até grupos amadores de pequenas comunidades. E qual a área de atuação da liga? Temos quatro áreas em que atuamos. A primeira delas diz respeito ao treinamento profissional, que tem como alvo jovens administradores e diretores de marketing, que passam por nossos programas de treinamento, sejam cursos rápidos de alguns dias, sejam os mais longos, que duram um ano; os atuais diretores das orquestras de Houston, Atlanta, Detroit e Dallas se formaram em nossos cursos. Em segundo lugar, somos um veículo de comunicação. Os EUA são tão grandes e as orquestras tão diversas que uma não sabe o que a outra está fazendo. Então, se uma orquestra do interior do Minnesota tem uma boa idéia que pode ser aproveitada por outros grupos, nós a divulgamos e promovemos esse contato. Também atuamos junto ao governo, sempre trabalhando para maximizar o investimento e questionando políticas culturais. E, por fim, mantemos um programa atualizado de pesquisas e inventários sobre a vida musical americana, em especial no que diz respeito a números e modelos de gestão. Se descobrimos que a média das orquestras consegue 35% de seu dinheiro com a venda de ingressos, esse número pode ser usado como ponto de referências para as orquestras, claro, levando algumas diferenças em consideração, como o orçamento. A Sinfônica de Boston, por exemplo, tem um orçamento descomunal, que foge à regra, mas é preciso ter em mente que eles são a única orquestra americana dona de um teatro onde passam o verão, no interior, e que, portanto, são os únicos a terem jardineiros e caseiros em sua folha de pagamentos. Qual o objetivo da visita ao Brasil? Nosso principal tema diz respeito ao financiamento. A Osesp é bancada em grande parte pelo Estado. E o governo já deixou claro que espera que essa proporção diminua consideravelmente. Isso exige uma reorganização na qual a experiência americana, no que diz respeito ao patrocínio privado, pode ser bastante útil. O sr. fala no modelo americano de financiamento, bastante apoiado na iniciativa privada. No Brasil, há uma longa tradição de investimento estatal. Ela começa a se inverter, mas me parece que as empresas estão ainda apenas interessadas em apoiar projetos pontuais e não projetos consistente de longo prazo. E isso, para uma instituição cultural, é nocivo. Qual seria a relação ideal entre orquestras e patrocinadores? Ela não surge de uma hora para outra. E precisa começar gradualmente. É preciso entender que não estou falando de 2, de 5 anos, mas, sim, de 10, 20 anos. Como começar? É incrivelmente difícil. Mas um bom ponto de partida é encontrar líderes, indivíduos ou corporações, dispostos a dar os primeiros passos. Uma possibilidade é ir atrás de filiais de empresas americanas, onde já existe essa tradição. Mas não há respostas fáceis. A Europa vive o mesmo impasse. Há três anos estive em Berlim a convite da Staatsoper que, após décadas de apoio estatal, está começando a se perguntar como encontrar maneiras de depender menos do governo. As orquestras precisam entender uma coisa, isso é fundamental: não dá para ficar parado, dizendo ‘Somos maravilhosos, dê-nos dinheiro’. Isso é passado. O que precisamos é criar projetos consistentes, saber convencer o patrocinador de que podemos ser bons para eles e não ter pudor de perguntar: o que podemos fazer por vocês? É preciso criar limites, claro, mas também manter a cabeça aberta. Há um motivo pelo qual o departamento responsável por conseguir dinheiro se chama “Departamento de Desenvolvimento”. Não é apenas porque soa mais bonito, é porque é disso mesmo que estamos falando, de desenvolver uma relação entre empresa e orquestra. Nos últimos anos, no entanto, orquestras americanas passaram por situações complicada, algumas delas ameaçaram fechar as portas por falta de dinheiro e também por conta da diminuição do público. Houve um momento muito ruim entre 2001 e 2005, por conta da situação econômica do país e do 11 de Setembro. Em março de 2001, a economia americana começou a decair rapidamente. E, seis meses depois, vieram os ataques terroristas. Uma situação que já não era boa ficou pior. O 11/9 afetou a psique do americano, que passou a sair menos de casa. E as empresas, que já estavam repensando os investimentos, desviaram suas verbas para projetos assistenciais. Mas os números não são tão assustadores. Entre 2001 e 2005, apenas 10 orquestras, das 400 profissionais em atividade no país, fecharam suas portas. E, dessas 10, 7 já voltaram a funcionar. Hoje, 75% das sinfônicas americanas fecham os anos com balanço equilibrado ou levemente deficitário. No que diz respeito ao público, não há realmente dados confiáveis. O público está envelhecendo? Sim. Tenho em meu escritório um artigo da revista Stereo Review que mostra como as platéias estão mais velhas e faz uma previsão assustadora: em 15 anos, uma grande porcentagem das nossas principais orquestras precisará fechar as portas por conta disso. Apenas um detalhe: o artigo é de 1962! Desde que comecei a trabalhar neste mercado, ouço essa conversa. Claro, há questões que precisam ser discutidas e já estamos conduzindo pesquisas sobre o tema. Mas não acreditamos que seja um problema tão grave assim. O modelo das leis de incentivo, em que o patrocinador desconta o dinheiro investido do imposto a ser pago, é o ideal? Sim, temos o mesmo modelo nos EUA. Mas vamos além, em direção ao patrocínio de pessoa física também. O Brasil precisa transformar o consumidor de cultura em patrocinador, fazer com que o cara que vai assistir a um concerto também ajude a manter a orquestra, dentro de suas possibilidades, claro. Se o Brasil quer consolidar relações de patrocínio privado, precisa investir nas leis já existentes e criar novos mecanismos similares. Não há alternativa. As novas tecnologias nos forçaram a repensar o mercado musical em direção a uma modernidade tida como inevitável. As orquestras estão prontas para isso? Não, mas estão começando a ficar. Demoramos demais, é verdade. No que diz respeito aos downloads, houve uma série de questões trabalhistas que só agora começa a ser resolvida com os sindicatos de músicos. Dos anos 50 aos anos 90, gravar era uma fonte de renda gigantesca para orquestras e seus músicos. E eles demoraram para entender que, no mercado atual, não vai ser mais assim. E que, de qualquer forma, não dá para ficar fora dele. Enfim, o processo já começou, sinfônicas como a de Milwaukee já colocam todos os seus concertos em seu site. Como parte da liga, nossa função é provocar e estimular iniciativas assim.

domingo, 29 de julho de 2007

150 anos da ópera nacional, por adriana pavlova

Houve um tempo em que óperas cantadas em português e com temas inteiramente nacionais não eram artigo raro por aqui. Era uma época em que a capital do país tentava descobrir a sua vocação cultural, embalada por uma monarquia tropical que não queria e nem podia fazer feio diante das cortes européias. Assim, há exatamente 150 anos, nascia na Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro a Imperial Academia de Música & Ópera Nacional, uma companhia de ópera cujo objetivo era promover não só os talentos nacionais do canto lírico com também incentivar uma cena à brasileira. Tudo com o apoio do imperador D. Pedro II.

No pouco tempo em que funcionou, a Imperial Academia de Música & Ópera Nacional fez história. Sob sua égide foi encenada A noite de São João, tida como a primeira ópera brasileira, que contava com libreto de José de Alencar e música de Elias Álvares Lobo. Também foi nas coxias da companhia que Carlos Gomes atuou como ensaiador de cantores e maestro até chegar a ser convidado para escrever duas obras para o grupo - A noite do castelo e Joanna de Flandres, seus únicos títulos em português. De 1857 a 1864, ano de seu término, a companhia foi palco de muitas estréias nacionais, sempre envolvendo grandes nomes da cena cultural daquela época, de Machado de Assis a Joaquim Manuel de Macedo, Quintino Bocayuva a Manuel Antonio de Almeida. De lá para cá, pelo que se sabe, nunca houve uma outra iniciativa que incentivasse da mesma forma uma cena lírica inteiramente nacional.

“Depois dela, uma companhia que se dedicasse estritamente ao repertório nacional não mais existiu”, garante o diretor de óperas e pesquisador André Heller, que atualmente se debruça sobre a trajetória da Imperial Academia de Música & Ópera Nacional, tema de sua tese de doutorado no King’s College de Londres. “Existiram óperas nacionais, grande cantores nacionais, o famoso “Quadro nacional”, que ocupou grande parte das temporadas dos teatros municipais de Rio e São Paulo em meados do século passado, mas um grupo patrocinado pelo governo para criar óperas nacionais não houve.”


Apesar do nome, a Imperial Academia de Música & Ópera Nacional surgiu com um belo empurrão de um espanhol, o empresário Don José De Zapata Y Amat, que esteve à frente do projeto desde o início, tendo influenciado também na escolha de repertório. Como bom espanhol, Amat investiu pesado em versões brasileiras das zarzuelas, justamente por causa do sucesso delas na Espanha, onde eram uma mina de ouro. Também existiam títulos italianos, que, assim como as zarzuelas e as óperas bufas, ganharam traduções à brasileira de pesos pesados como Machado de Assis ou Joaquim Manuel de Macedo. Bodas de dona Joaninha foi o nome dado a Las Bodas de Juanita, enquanto Eran due, son tre virou As colisões do senhor ministro. A companhia sobreviveu e fez sucesso apresentando-se em cinco teatros diferentes (Ginásio, Lírico Provisório, São Pedro de Alcântara e São Januário, todos no Centro do Rio, e ainda no Santa Tereza, em Niterói) e baseando seu repertório até 1860 nestas traduções e em outras mais, como as de Norma e La Traviata em português.


A feição ainda mais brasileira do projeto nacional de ópera ganharia fôlego com a estréia de A noite de São João, em 14 de dezembro de 1860, no Teatro São Pedro. Foi a primeira ópera de autores brasileiros, com assunto tipicamente nacional, com libreto em língua portuguesa cantada em português de que se tem notícia por aqui.

“A temática era brasileira, porque tratava-se de uma história de amor em estilo bufo que se passava durante uma noite de São João e por isso mesmo era cheia de referências ao folclore brasileiro”, explica o maestro e pesquisador paulista Marcos Júlio Sergl, cujas teses de mestrado e doutorado versam sobre o tema. “A obra foi tão bem recebida que teve mais duas récitas imediatamente e depois, ao longo do ano seguinte, foi reapresentada em mais duas ocasiões. O sucesso estimulou novos compositores a criarem peças inteiramente brasileiras e deu início ao processo de reconhecimento dos autores nacionais. Logo depois dela, Carlos Gomes, que foi o maestro de A noite de São João, também compôs sua primeira ópera. A idéia foi tão bem-sucedida que D. Pedro II passou a apoiar os compositores e até concedeu uma bolsa de estudos para que Gomes estudasse na Europa.”


A partir daí, vários títulos totalmente nacionais – com música e enredo falando daqui – se revezaram nas encenações da Imperial Academia, até o fim do grupo, em meados de 1864. Houve, entre outras, Moema e Paraguassu, de Sangiorgi, com libreto de Bonifácio de Abreu, e Aurora do Ypiranga, com libreto de José Manuel de Macedo. No entanto, na opinião da professora de história da música Cristina Magaldi, da Universidade de Towson, Maryland, nos EUA, esta produção musical tão intensa num curto espaço de tempo não se traduziu exatamente num estilo de ópera brasileira e sim numa ópera à brasileira:

“Quando a Ópera Nacional foi fundada, ela tinha como objetivo a criação de uma escola para produzir ópera no Brasil, o que é bem diferente de uma instituição para produzir ópera brasileira. Para os brasileiros da classe alta no século19, ter a capacidade de produzir óperas com cantores, maquinarias, atores, palco, orquestra e compositores locais (não necessariamente brasileiros) era um privilégio, uma maneira de colocar o Brasil na mesma altura da Europa. De certa forma, isto pode ser visto como um orgulho nacional, mas não como um produto musical "brasileiro" como foi definido pelos nacionalistas no século 20.”

A decadência da Imperial Academia de Música & Ópera Nacional começaria com a sua fusão com uma companhia de ópera italiana, em 1861. Daí para a frente, já sem a presença de Amat, a companhia foi definhando até desaparecer por completo.

“A trajetória da Ópera Nacional foi bem sucedida e ela existiu – e resistiu – gloriosamente até cerca de1864, quando os ventos da Guerra do Paraguai começaram a varrer as finanças nacionais, e uma malfadada fusão entre as companhias líricas italiana e nacional condenou os artistas brasileiros a um papel secundário”, afirma Heller. “Depois do quase fracasso da segunda ópera de Gomes, Joanna de Flandres, pouco havia o que fazer. Na noite do dia 24 de outubro de 1863, quando a cortina do teatro fechou-se ao final de O vagabundo, de Henrique Alves de Mesquita, chegava ao fim muito mais do que uma simples “noite na ópera”.”

Hoje, são raríssimas as vezes em que é possível assistir a uma ópera composta por um autor brasileiro, com libreto feito aqui. Simplesmente as óperas brasileiras não entram em cartaz, salvo algumas raras exceções. São projetos com o do maestro Jamil Maluf, que à frente do Theatro Municipal de São Paulo conseguiu apresentar ali, em 2005 e 2006, duas produções totalmente nacionais, incluindo uma estréia mundial: Olga, de Jorge Antunes, que teve cinco récitas lotadas, muito embora sua música contemporânea não fosse das mais fáceis. Maluf lembra que ao convidar Antunes para a empreitada, nem o próprio compositor acreditou no convite, já que há anos buscava algum teatro que se dispusesse a encenar a história da líder comunista companheira de Luiz Carlos Prestes.

“É o drama do compositor brasileiro, mas também o drama do compositor de óperas em todo o mundo, que sofre para ver sua obra em cena”, afirma o maestro. “Infelizmente, na sociedade de consumo, a música erudita só consegue lugar quando apresenta obras consagradas. E esta realidade é ainda mais cruel quando se trata de ópera porque os custos são altíssimos. Não se faz uma montagem hoje no Brasil por menos de R$ 600 mil. Além disso, por falta de costume, há muito preconceito com a ópera brasileira por parte do público.”

Maluf lembra ainda que outro fator complicador para a encenação de óperas brasileiras é a falta de partituras em bom estado. Muitas vezes, segundo ele, a direção de uma casa de ópera até pode vir a se interessar por um título, mas diante das dificuldades de apresentá-lo por falta de material técnico, a tendência é optar por uma obra estrangeira conhecida.

“Há cerca de 30 anos houve um boom mundial das óperas de Rossini porque o governo italiano, incentivado pelo maestro Claudio Abbado, decidiu editar as óperas do compositor. Com o material à disposição, as casas de ópera de todo o mundo começaram a se interessar em encená-las. É isto que falta no Brasil: alguém ou alguma instituição que edite nossas óperas”, diz Maluf, que este ano não apresentará nenhuma ópera brasileira no Municipal por causa de uma obra no teatro mas que garante já ter dois títulos nacionais na manga para 2008.

Se Maluf é mais cético diante do panorama operístico nacional, um representante da ala dos compositores, o carioca João Guilherme Ripper (atualmente à frente da Sala Cecília Meireles, no Rio), é bem mais otimista. Autor de duas óperas já encenadas, Domitila e Anjo Negro, e de outra inédita (Augusto Matraga), ele acredita que hoje é possível apostar em óperas menores, que funcionam em palcos mais exíguos e que, portanto, são mais práticas e mais fáceis de sair da partitura. Ripper cita como exemplo Domitila, uma pocket opera com apenas uma cantora em cena e quatro músicos, que trata das cartas de amor entre D. Pedro I e a Marquesa de Santos, premiada com o prêmio da Associação Paulista de Críticos de Artes em 2001.

“Trata-se de uma ópera versátil, que pode ser apresentada em palcos menores, o que facilita a sua circulação”, diz Ripper. Domitila já foi apresentada no Rio, em São Paulo, em Petrópolis e também em formato de concerto. Se fosse uma ópera maior, estaria restrita a cinco ou seis teatros do país. Hoje espaços como o Centro Cultural Banco do Brasil do Rio ou de São Paulo são locais que também apresentam óperas, algo que não acontecia antes.”


Ripper, sempre de forma otimista, ainda lista outra vantagem da ópera brasileira contemporânea em relação às composições do passado. Segundo ele, hoje o compositor de ópera transita muito mais livremente por diferentes tipos de música, podendo se utilizar deles em suas peças:

“Não é mais uma linguagem única. São 400 anos de ópera que se traduzem em cena em diferentes possibilidades musicais, num ecletismo que vai da música serial ao samba. Tudo a serviço da história que se quer contar.”

Que venham mais 150 anos.

sábado, 30 de junho de 2007

antologia pessoal - edelton gloeden

Que peça você mais ouve? Que peça ficou melhor com o tempo?
Depende do momento. Sou um ouvinte compulsivo. No dia-a-dia, e quando há registros, procuro concentrar-me na audição dos compositores que estou estudando e nas suas obras para outros instrumentos e formações. Para nós violonistas isto é imprescindível, pois o repertório para o instrumento é, em sua maior parte, de autores pouco conhecidos do grande público. Além de obras para violão, ouço desde música medieval até os autores contemporâneos. Citar uma só obra que ficou melhor com o tempo? Seria muito mais fácil fazer uma lista de dez páginas. Não tendo esta opção, cito agora o Quarteto de cordas em la menor, Op. 132 de Beethoven.

Dê exemplo de um bom compositor injustiçado.
Vários dos grandes compositores foram injustiçados em seu tempo: J.S.Bach, Mozart, e poderíamos apontar os casos de Prokofiev e Shostakovich, perseguidos pelo regime soviético, o e Hindemith, desprezado pelas avant-gardes do pós-guerra, e o de Schoenberg, sempre muito polemizado e ainda pouco executado. Cite uma peça que frustrou suas melhores expectativas. Invocação em Defesa da Pátria de Heitor Villa-Lobos.

E um compositor surpreendente, ou seja, bom e pelo qual você não dava nada.
Carlos Gomes

Música para cinema é um gênero menor?
Não, não é. Duas obras estupendas: Alexander Nevsky de Sergei Prokofiev para o filme de Eisenstein, e O Descobrimento do Brasil de Villa-Lobos, para o filme de Humberto Mauro.

Cite uma obra chata, mas boa.
Acredito que opinar sobre gosto pessoal pode ser uma contradição, pois aquilo que achamos “chato” hoje eventualmente poderemos apreciar no futuro, e o contrário também pode acontecer. Para mim, Carmina Burana de Carl Orff é um bom exemplo de uma música bem construída, com texto exuberante, que me causou uma forte impressão inicial, mas que a cada audição o interesse diminui.

Um compositor que você acha muito bom, mas nunca ouviu.
Só posso responder que há sempre muito o que ouvir.

Uma obra difícil, mas indispensável.
Spem in Alium, o moteto a 40 vozes de Thomas Tallis.

De que ópera você mudaria o final? Por quê?
O Don Carlo de Verdi. Porque o desfecho é totalmente forçado, acontecendo justamente no ponto crucial do enredo.

A música contemporânea é muito criticada. Que peça (s) estreada (s) nos últimos dez anos mereceria, para você, um lugar na história da música?
Se a pergunta fosse para definir o que é a música contemporânea hoje, eu não saberia responder, principalmente na medida em que os quartetos de cordas de Leos Janácek, por exemplo, concluídos em 1928, soam para mim muito mais instigantes e atuais do que as obras de Philip Glass. Nos últimos dez anos, tenho me concentrado mais no passado recente, e aprendendo muito ouvindo obras como a Iberia de Albéniz, os Nocturnes de Fauré, a obra para órgão de Messiaen, o Requiem de Hans Werner Henze, a Lachrimae de Benjamin Britten, o Maracatú de Chico Rei de Mignone, enfim, música de alta qualidade.

De que compositor brasileiro, de qualquer tempo, você recomendaria a audição?
Heitor Villa-Lobos.

Que obras (brasileiras ou estrangeiras) sempre presentes nos cânones não mereceriam seu voto?
As duas mencionadas acima, Carmina Burana e Invocação em Defesa da Pátria.

E uma sempre ausente em que você votaria?
A música de câmara de Henrique Oswald.

Música sinfônica ou ópera?
Ambas.

Verdi ou Wagner?
Ambos. Verdi e seus personagens humanos e Wagner com a mitologia.

Tchaikovsky ou Schoenberg?
Ambos. Cada um em seu tempo e espaço, tendo em comum o domínio pleno da técnica.

Callas ou Tebaldi?
Ambas. Em seus melhores momentos, Callas corre todos os riscos em favor da emoção, e Tebaldi com a beleza da linha vocal e o pleno domínio técnico.

Plácido Domingo ou Pavarotti?
Em ópera, nos papéis adequados, ambos.

Glenn Gould ou Maurizio Pollini?
Ambos. Glenn Gould, excêntrico e contestador da tradição e dos rituais da carreira, uma figura única, e Pollini como representante da tradição levada adiante com suas leituras precisas, apresentando e explorando repertórios inusitados. Neste último ítem, um ponto em comum: repertórios que não fazem parte dos holofotes da oficialidade. Gould, por exemplo, revelando os virginalistas ingleses, os compositores canadenses, as obras de Hindemith e Krenek, e Pollini com as obras de Boulez, Nono, Stockhausen e Manzoni.

Herbert Von Karajan ou Pierre Boulez?
Ambos. Logicamente, cada um dentro de seu universo específico.

Que virtude mais preza na boa música?
O equilíbrio entre razão e imaginação.

E quais os defeitos que obrigatoriamente devem estar ausentes em uma grande peça?
Se possível, todos.

quarta-feira, 27 de junho de 2007

a italiana em argel, por lauro machado coelho

A gesticulação estilizada, o uso de elementos coreográficos associados ao desempenho dos atores, a exploração de gags que partem de situações oferecidas pelo texto conjugaram-se para tornar muita viva e divertida a concepção cênica que Hugo Possolo ofereceu de A Italiana em Argel, a ópera cômica de Gioachino Rossini que estreou sábado no Teatro Municipal.
Há momentos, sem dúvida alguma, em que o abuso de ingredientes histriônicos rema contra a maré, pois eles distraem a atenção do público daquilo que deve ser o centro do espetáculo: a interpretação dos cantores. E há um ou outro traço dispensável – fazer dos eunucos do serralho um bando de drag-queens, por exemplo – por ser de gosto discutível.
Mas isso não chega a alterar a fluência e o potencial de comunicabilidade dessa Italiana in Algeri, um espetáculo muito bem dirigido, que se apóia nos coloridos cenários de Luís Frúgoli – a que não falta a alusão moderna: o elefante coroado por uma torre de petróleo, referência a um lado perverso das relações do Ocidente com o Oriente – e nos bonitos figurinos de Cássio Brasil, com bons achados: a silhueta caricatural do bey Mustafá; as transformações na indumentária de Taddeo, quando ele vai receber o título de “Kaimakan”; ou de Isabella, quando ela se paramenta para receber o bey. No conjunto, é uma montagem que respeita a natureza específica da ópera buffa, e funciona pela vivacidade rítmica e o bem integrado desempenho de seu elenco.
Físico do papel e adequação vocal se conjugaram para que a Isabella de Luisa Francesconi fosse elegante e feminina mas, ao mesmo tempo, com a dose certa de malícia e determinação, para manipular tanto o bey quanto Taddeo, seu azarado pretendente. Talvez fosse necessário um pouco mais de energia no rondó “Pensa alla patria”, do segundo ato (embora isso se deva, talvez, mais à opção da regência); mas a mistura de melodia lânguida e coloratura vertiginosa de “Cruda sorte... Già so per pratica”, a ária di sortita da personagem, demonstra que Francesconi terá, no decorrer da temporada, condições de fazer da protagonista uma composição bem trabalhada.
Boa surpresa foi o timbre delicado de André Vidal. De voz pequena mas de ótimo polimento, ele é um típico tenore di grazia, muito à vontade no repertório belcantístico, pela leveza e a facilidade demonstrada na ornamentação. Foi muito satisfatório o seu rendimento tanto nas árias – em especial “Languir per una bella... Contento quest’alma”, do primeiro ato – quanto nas cenas de conjunto. Outro tanto se pode dizer de Denise Tavares embora, em determinados momentos, pareça faltar à sua Elvira um pouco mais de presença vocal.
Os extremos graves da tessitura e as exigências de agilidade no silabato apresentam, para Stephen Bronk, dificuldades que não podem ser ignoradas; mas que ele supera com a opulência de um registro de belos colorido, e com um talento cênico que, para quem está acostumado a vê-lo em papéis sérios, demonstra-se agora ser igualmente desenvolto em partes cômicas. O preciso equilíbrio na corda bamba da caricatura fez de seu Mustafá – e com toda justiça – o merecedor da salva de aplausos mais estrondosa, nos cumprimentos finais.
Para quem, no sábado, estava visivelmente indisposto, foi apreciável o desempenho de Douglas Hahn como Taddeo. Apesar de problemas evidentes no primeiro ato – no final do dueto “Ai capricci della sorte”, por exemplo – sua participação, no segundo, foi bem mais equilibrada; e tudo indica que, nas demais récitas, ele poderá mostrar, da personagem, a sua melhor face. Tanto Edinéia de Oliveira (Zulma) quanto José Galisa (Haly) investiram, em suas personagens de apoio, a costumeira classe e experiência.
A preferência de Jamil Maluf por andamentos mais pausados, embora isso contrarie às vezes a exuberância característica da música de Rossini, talvez se explique pela preocupação em oferecer aos cantores condições mais confortáveis de articulação e emissão, sobretudo nas elaboradas cenas de conjunto. Mas, na realidade, a opção pelo pianissimo nas passagens intermediárias do septeto “Confusi e stupidi” fez esse hilariante finale do primeiro ato perder um pouco de seu brilho. Ainda assim, à frente da Experimental de Repertório que, à exceção de alguns desacertos nos metais – o solo de trompa na entrada de “Languir per una bella”, por exemplo – teve um bom desempenho, Maluf foi capaz de garantir ao espetáculo um ritmo estável.

domingo, 24 de junho de 2007

brasília - temporada 2007

1. March 13
Wagner: Die Meistersinger overture
Villa-Lobos: Uirapuru
Mahler: Symphony # 1
2. March 20
Dvorak: Carnival overture opus 92
Haydn: Symphony # 104
Ravel: Piano Concerto for the left hand (Joel Bello Soares)
Stravinsky: Firebird suite (1919)
3. March 27
Mozart: Piano Concerto # 25 K. 503 (Ira Levin)
Berlioz: Symphonie Fantastique opus 14
4. April 1
Wagner: Die Meistersinger overture
Hindemith: Trauermusik
Bruch: Kol Nidrei
Berlioz: Symphonie Fantastique opus 14
5. April 10
Guarnieri: Three Dances: Brazilian Dance / Negro Dance / Savage Dance
Guarnieri: Choros for cello (del Claro)
Schubert: Symphony # 9 “Great” D. 944
6. April 17
(regente: Erich Lehninger)
Grieg: Holberg suite opus 40
G. Bauer: Cadencias para piano e orquestra (Midori Maeshiro)
Sibelius: Rakastava opus 14
Haydn: Symphony # 85 “la Reine”
7. May 1 worker’s day
(regente: Mateus Araujo)
Gomes: Guarany overture
Guarnieri-Paulinyi: Ponteios
Morais: Brasilia
Nepomucemo: Serie Brasileira
Waldemar Henrique arr. Mignone: Boi Bumba
Araujo: Semana do Presidente
8. May 8
(regente: Alex Klein)
Guarnieri: Symphony # 6
Mozart: Oboe Concerto (Alex Klein)
Mendelssohn: Symphony # 5 opus 105 “Reformation”
9. May 15
(regente: Roberto Tibirica)
Villa-Lobos: Bachianas Brasileiras # 9
Mozart: Horn Concerto # 2 K. 417 (Stan OSTNCS)
Dvorak: Symphony # 8 opus 88
10. May 22
(regente: Elena Herrera)
Turina: Procession
Chavez: Sinfonia India
De Falla: Three-Cornered Hat
Villa-Lobos: Bachianas Brasileiras # 8
11. May 29
Prado: Variations for orchestra
Tchaikovsky: Violin Concerto opus 35 (Fanny Clamagirand)
Elgar: Enigma Variations opus 36
12. June 5
Mozart: Symphony # 41 „Jupiter“
Mahler: Kindertotenlieder (Denise de Freitas)
R. Strauss: Tod und Verklaerung opus 24
13. June 12
Prokofiev: Violin Concerto # 2 (Daniel Guedes)
Shostakovich: Symphony # 10
14. June 19
Haydn: Symphony # 82 “Urso”
Francaix: Divertissement for bassoon and string orchestra (Harry Schweizer)
Tchaikovsky: Symphony # 4 opus 36
15. June 26
Mendelssohn: Hebrides overture
Elgar: Cello Concerto opus 85 (Antonio Meneses)
Brahms: Symphony # 1 opus 68
16. July 3 concert for Portugal’s presidency of the EU
Braga Santos: overture
Prokofiev: Violin Concerto # 1 opus 19 (Claudio Cruz)
Brahms: Symphony # 1 opus 68
17. July 10
Berlioz: Hungarian March from “Damnation de Faust”
Rosza: Double Concerto for violin and cello (Pablo de Leon, Raiff Dantas)
Nielsen: Symphony # 4 opus 29 “Inextinguishable”
18. July 19 (Campos de Jordao)
Haydn: Symphony # 82 “Urso”
Hummel: Trumpet Concerto (Alison Balsom)
Guarnieri: Negro Dance (Danca Negra)
Nielsen: Symphony # 4 opus 29
June 29 Ballet Fesitval (Gisele Santoro)
Tchaikovsky: The Nutcracker act 2
19. August 7
Rachmaninoff: Piano Concerto # 1 opus 1 (Jean Louis Steuermann)
Bruckner: Symphony # 4
10. August 14
(regente: Roberto Duarte)
Peixe: Museu da Inconfidencia
Assad-Piazolla: Verno Porteno
Assad: Concerto fro two guitars (Assad brothers)
Santoro: Symphony # 11
21. August 28
(regente: Alastair Willis)
R. Strauss: Serenade for Winds opus 7
Vaughan-Williams: A Lark Ascending (Haratoun Bedelian)
Elgar: Introduction and Allegro opus 47 (guest quartet, Bedelian, David Chew and friends)
Schumann: Symphony # 3 opus 97 “Rhenish”
22. September 4
Beethoven: Coriolan overture opus 60
Beethoven: Piano Concerto # 4 opus 56 (Maria Joao Pires)
Sibelius: Symphony # 1 opus 39
23. September 11
(regente: Sidney Harth)
Ravel: ma mere l’oye
Liszt: Piano Concerto # 2 (Gilberto Tinetti)
Beethoven: Symphony # 7
24. September 18
Villa-Lobos: Choros # 10 (?)
Jobim: Sinfonia Alvorada
Milton Nascimento
25. September 25
Shostakovich: Violin Concerto # 1 opus 99 (Nicolas Koeckert)
Martinu: Symphony # 1
26. October 2
(regente: Luis Gustavo Petri)
Braga: Episodio Sinfonico
Saint-Saens: Piano Concerto # 5 opus 103 “Egyptian” (Ana Claudia Brito)
Chausson: Symphony in Bb opus 20
27. October 9
Brahms: Piano Concerto # 2 opus 83 (Nelson Freire)
Sibelius: Symphony # 5 opus 82
28. October 23, 24 “ Faust in Music” lancamento
Wagner: A Faust Overture
Liszt: A Faust Symphony (Howard Haskin and male chorus )
29: October 30, 31
Wagner gala (Howard Haskin, Graciela Araya, Eiko Senda)
Parsifal: Act 1/ Prelude
Act 2 / Prelude and Kundry/Parsifal duet
Die Walkuere / act 1 scene 3 Sieglinde/Siegmund
30. November 13
(regente: John Neschling)
Barber: Adagio for Strings opus 11
Mignone: Festa nas Igrejas
Tchaikovsky: Symphony # 1 “Winter Dreams” opus 13
32: November 21
Brasilia Film Festival concert
33. December 4
Bizet: Symphony in C
Britten: Les Illuminations opus 18 (Daniella Carvalho)
Schmitt: Le Tragedie de Salome opus 50 (Daniella Carvalho)
34. December 11 & 12
Bach: Cantata # 82 “Ich habe genug” (Leonardo Nevia)
Mahler: Symphony # 5
+ Concerts in Satellite cities, Chamber music series
Concerts conducted by Ira Levin unless otherwise indicated

sábado, 23 de junho de 2007

yo-yo ma, por lauro machado coelho

A simplicidade desadornada da escrita de Schubert exige do executante o que há de mais difícil: uma técnica excepcional posta a serviço não da exibição de virtuosismo, mas de fazer música. Foi o que demonstrou Yo-Yo Ma com a interpretação da Sonata em lá menor D. 821, originalmente concebida para uma espécie de guitarra-violoncelo, hoje obsoleta, que tinha o nome de arpeggione. O sabor popular, descontraído da peça foi perfeitamente traduzido pelo solista e sua acompanhadora, Kathryn Stott, cujo piano mostrou-se perfeitamente à altura do nível de Yo-Yo Ma, tanto no Allegro moderato quanto no Allegretto em forma de rondó, cujos episódios exploram todas as possibilidades do instrumento. Mas foi sobretudo na canção sem palavras do Adagio que a espontaneidade do legato mostrou o violoncelista plenamente capaz de explorar toda a pudica poesia de Schubert.
O momento mais espetacular do recital veio em seguida, com a Sonata em ré menor op. 40, uma das peças mais pessoais de Dmitri Shostakóvitch, fruto de um momento de crise pessoal, no final de 1934, nas suas relações com Nina, a sua mulher. E isso transparece na pulsação dos estados de espírito contrastantes, que se sucedem no Allegro ma non troppo inicial; e sobretudo no lirismo atormentado do Largo, no qual a técnica de pianíssimo de Yo-Yo Ma obteve efeitos de impressionante expressividade.
Contrastando com o clima emotivo desses movimentos, o Shostakóvitch irônico, provocador, explode nos ritmos angulosos, dançantes, do Allegro, que evoca a exuberância contemporânea do balé A Idade de Ouro. E chega a um clímax sarcástico no rondó do Allegro final, que põe à prova não só o solista: é diabólica a parte do piano, que Shostakóvitch, pianista excepcional, escreveu para si próprio – ele estreou a peça em 25 de dezembro de 1934, juntamente com Víktor Kubátski, a quem ela foi dedicada. Aqui, Kathryn Stott e Yo-Yo Ma uniram-se num grande momento de integração e equilíbrio na realização camerística.
Depois da intensidade desse Shostakóvitch, em que pese a excelência de sua execução, Le Grand Tango de Astor Piazzolla perdeu muito, parecendo demasiado longo e soando como um anticlímax. Fosse ele colocado na segunda parte, junto com o bonito arranjo de Bodas de Prata e Quatro Cantos, de Egberto Gismonti, e a força da partitura de Shostakóvitch, ponto mais alto da noite, o teria feito empalidecer menos.
Originalmente escrita para o violino, a Sonata em lá maior de César Franck, monumento da música de câmara romântica francesa, não tem, no violoncelo, o mesmo rendimento, sobretudo nas texturas mais agudas da escrita. Mas Yo-Yo Ma fez dela uma leitura absolutamente convincente, de uma melancolia outonal na declamação muito livre do Recitativo fantasia: ben moderato, de extrema ousadia formal. Mas, sobretudo, Stott e ele conferiram contornos muito enérgicos aos dois primeiros movimentos – em especial à inquietação apaixonada do segundo, Allegro, de ritmo ofegante – e, no Allegro poco mosso final, fizeram contrastar a elegância do refrão “dolce cantabile” com o brilho da coda. Depois disso, os três extras, culminando num Gershwin muito descontraído, foram a forma simpática de responder à reação efusiva da platéia.

domingo, 17 de junho de 2007

yo-yo ma, por joão marcos coelho

O violoncelista Yo-Yo Ma é uma das mais reluzentes superstars da música no planeta. Aos 51 anos, é o centro das atrações onde quer que vá: seus concertos têm lotação esgotada com muita antecedência em qualquer teatro do planeta. Não foi diferente aqui; faz tempo que não há mais ingressos para os dois concertos no Teatro de Cultura Artística nesta terça e quarta-feira. Em todas as latitudes, suas apresentações invariavelmente são consideradas “os concertos do ano”. Aqui também não está sendo diferente.
A listagem dos motivos que o levaram ao topo pode soar enfadonha de tão extensa. De fato, seus quinze grammies e mais de cinquenta gravações de praticamente todo o repertório solo, camerístico e concertante para o instrumento fazem deste cidadão do mundo – nascido em Paris de pais chineses, crescido e educado nos Estados Unidos, afilhado do violinista Isaac Stern – o legítimo herdeiro do russo Mstislav Rostropovich no posto de maior violoncelista vivo.
Primeiro aniversário do 11 de setembro em Nova York? Lá estava ele, tocando nos escombros do WTC; forma ao lado de Ronaldo fenômeno como um dos embaixadores da Paz da ONU; e até o folclórico Cosmo Kramer do seriado Seinfeld o citou algumas vezes. Participou, como o trompetista Wynton Marsalis, de desenhos animados (em seu caso, no delicado e inteligente desenho canadense “Arthur”).
A Verdade artística de cada um
Yo-Yo Ma é nota 10 em tudo, mas sobretudo nos seguintes quesitos: técnica diabólica; sensibilidade extraordinária; afinação de assombrar; volume e timbre inigualáveis. Tudo isso sem falar no vibrato, a assinatura pessoal de todo violoncelista. Vamos mais fundo nesta questão do vibrato para clarear as coisas. “O vibrato requer que o violoncelista domine primeiro a capacidade de tocar perfeitamente afinado. Se um jovem violoncelista não possui este domínio, a nota, a cada vez que vibra, soará ácida, acentuando a imprecisão do tom e desviando seus sons harmônicos; o tom exato é nossa versão da verdade artística. A liberdade de vibrar depende desta disciplina, enquanto a expressão puramente impulsiva produz apenas desordem – um exemplo de sabedoria popular que se aplica tanto à mão quanto ao coração”. A citação é de um inesperado ex-colega de Yo-Yo Ma, o sociólogo norte-americano Richard Sennett, num maravilhoso livro intitulado “Respeito” (Record, 2004), que combina autobiografia e ensaio. Sennett foi violoncelista até os 21 anos; tocou com pianistas como Murray Perahia e Richard Goode; abandonou o instrumento por causa de problemas neurológicos em uma das mãos.
Está, portanto, a cavalo para avaliar o talento. “Quando amigos como os pianistas Perahia ou Goode tocavam, eu ouvia algo além de minha apreensão da música; eles faziam pausas e outros aspectos do fraseado, bem como revelavam vozes harmônicas inesperadas, coisa que eu nunca faria. O domínio da técnica musical nos ensina as dimensões objetivas do que se ouve, e na época aceitei que não possuía esta arte. Embora tenha moderado minha vaidade, ter conhecido meus limites não destruiu meu amor pela música – e acho que isto vale para muitas outras pessoas que desenvolvem um amor genuíno pela perícia.”
Amizade e respeito
Mas não basta ser músico de gênio para ser reconhecido e obter “respeito” em termos amplos. Talvez seja uma questão de cabeça. Há músicos que se conformam em repetir durante décadas o mesmo repertório. Como diz Alejo Carpentier, “o virtuose, orgulhoso do seu virtuosismo, termina por querer demonstrar que é mais virtuose do que todos os virtuoses”.
Yo-Yo – amizade, amizade, em chinês – jamais quis prender-se nesta gaiola, ainda que dourada e cheia de cifrões. "Se você fica entediado”, disse ele numa entrevista, “então é porque você se colocou dentro de certos limites e chafurda neles o tempo todo”. Depois de fazer todo o circuito das grandes salas de concerto, das maiores orquestras e maestros do planeta – e de gravar todo o repertório de violoncelo --, ele viu diante de si um futuro de eterna repetição do mesmo. Corria a temporada 1996/7. E Ma, que já tinha no DNA a fusão dos estilos musicais (por ironia ou sintoma, tema da tese de seu pai musicólogo), partiu com tudo para conhecer melhor suas raízes e... a China (sim, ele nada tem a ver com o rolo compressor chinês que nos assola nos primeiros anos do século 21. China para ele era só um país gigantesco no mapa-múndi).
Nada melhor do que as suítes de Bach, o Himalaia de todo violoncelista, para a largada. Ele já as tinha gravado em 1982 (o álbum duplo, por sinal, acaba de ser relançado no Brasil pela Sony). E quando lhe disseram para regravá-las, ele fez o inesperado. Entre as alternativas a) resignar-se a repetir-se; e b) recusar-se e comprar briga com as então poderosas gravadoras – Ma optou por um gigantesco projeto que se transformou numa das obras-primas de sua vida criativa e que melhor o definem: uma série de seis filmes de uma hora de duração cada, inspirados nas suítes de Bach.
Naquele momento, chutou definitivamente o pau da barraca dos bem-comportados. Juntou-se ao reduzido grupo de grandes músicos que no último século tiveram a coragem de dizer não, afirmar sua liberdade, correr riscos, entregar-se à experimentação – viver, enfim, e não “chafurdar” burocraticamente em gaiolas douradas. Flash rápido sobre o Projeto Bach: em “O Jardim Musical”, Ma e a paisagista Julie Moir Messervy “viajam” entre Boston e Toronto tentando criar um jardim inspirado na suíte no. 1; em “O Som dos Cárceres”, calcado na suíte no. 2, recursos de tecnologia virtual colocam Ma tocando num dos cárceres imaginados pelo arquiteto italiano Giambattista Piranesi, contemporâneo de Bach (direção de François Girard, que faria em seguida “32 curtas sobre Glenn Gould”); na suíte no. 3, Ma viaja com o coreógrafo Mark Morris na criação de uma notável coreografia (“Rolando escada abaixo”); na quarta, o diretor Atom Egoyan instaura tramas cruzadas no que chama “Sarabanda”; o ator de kabuki Tamasaburo Bando dança a quinta suíte “Lutando por Esperança”); e o casal premiado de patinação no gelo J. Torvill e D. Dean dança a sexta suíte (“Seis Gestos”).
As maravilhas da
Internet da Antiguidade
Foi uma espécie de alforria. Naquele ano-chave de 1997, Ma também deu o pontapé inicial em seu originalíssimo Silk Road Project, ou Projeto da Rota da Seda. Ou, como gosta de chamar, “a Internet da Antiguidade”. Uma via de duas mãos: rotas de comércio a partir do Oceano Pacífico e através do Oriente Médio e o Mar Mediterrâneo foram fundo no coração da Ásia, levando e trazendo tecnologia, arte, cultura e idéias num longo período histórico. Silk Road, portanto, não é só um CD. Cabe nas seguintes qualificações: cooperativa de músicos, pesquisa de música nova, grupo de gravação e turnês, organização educacional. O balanço de uma década aponta centenas de apresentações e eventos educacionais ao redor do mundo, três CDs e 24 obras encomendadas a compositores de países como Azerbaijão, China, Irã, Mongólia, Turquia e Usbequistão. Ano passado foi lançado o Silk Road Chicago, uma verdadeira “ocupação” da cidade por meio de apresentações e workshops nas escolas e espaços culturais – mais de 70 no último ano.
Filosofia: executar, encomendar novas obras e divulgar a imensa variedade musical das culturas da Rota da Seda. Ou seja, Ma propõe um diálogo entre culturas por meio da música. O pressuposto é que não existe cultura pura no mundo. Ele adora dar o exemplo do tango: suas origens estão nas células rítmicas tocadas por escravos africanos na Argentina; seu instrumento principal, o bandoneón, foi inventado na Alemanha e levado para a América do Sul pelos músicos italianos emigrados.
“A música”, escreve o musicólogo inglês Nicholas Cook em “Music: a very short introduction” (Oxford, 2004) “é um modo não só de obter uma compreensão do outro cultural, mas também de modificar nossa própria posição, construindo e reconstruindo nossa própria identidade durante o processo.” É isso que fascina Yo-Yo Ma. Cook é bom porque também explica o divórcio do circuito da música clássica junto a públicos mais amplos: “ É evidente que o mundo está repleto de diferentes tipos de música; porém, os modos pelos quais pensamos a música não refletem esta situação. Cada tipo de música chega com seu próprio modo de pensar como se fosse o único (e a única música sobre a qual pensar)”. Ele parafraseia Bernard Shaw no maravilhoso aforismo de que “a Grã-Bretanha e os EUA estão separados pela mesma língua” para concluir: “A música pode criar a milagrosa impressão de ir diretamente, como escreveu Beethoven no manuscrito de sua Missa Solemnis, ‘do coração... ao coração’. Mas o milagre de uma pessoa é a ilusão da outra (...) ou seja, está claro que a música pode estabelecer um ponto de contato entre culturas. Mas não pode abolir de imediato a diferença cultural. Ela pode ser encarada como uma ferramenta privilegiada para nos conscientizarmos da diferença cultural; afinal, é sobre um fundo de semelhanças que melhor sobressaem as diferenças. Por isso, em termos musicais, a frase de Shaw pode aplicar-se ao mundo inteiro”.
Dar o primeiro passo em relação ao outro, como faz Yo-Yo Ma, é admitir-se vulnerável. Isso vale para o intérprete, o compositor e o ouvinte. O filósofo alemão Hans-Georg Gadamer fala em “fusão de horizontes” entre eles. Praticar a música de um jeito parecido com o que nós (pobres mortais ouvintes) a ouvimos é realizar uma missão fundamental para o século 21: fazer a inclusão da música na realidade das pessoas, de grupos sociais, da população, enfim.
A magia do improviso sobre as regras
O desafio do intérprete, diz outro filósofo, desta vez o norte-americano Bruce Ellis Benson (em “The improvisation of musical dialogue”, Cambridge, 2004), “é falar em nome dos outros – o compositor, intérpretes do passado e toda a tradição na qual vivemos – e também em seu próprio nome, assim como para aqueles que ouvem. A situação ideal – que provavelmente jamais será atingida – é permitir que a voz do outro fale, sem deixar-se submergir por ela”.
Benson vai mais longe. Diz que intérpretes como Yo-Yo Ma praticam o que o filósofo Kant dizia para o grande compositor fazer: improvisar sobre as regras que determinam a prática musical. É por isso que em seus dois concertos em São Paulo, Ma começa tradicional, com a célebre sonata Arpeggione de Schubert; vem para o século 20 com a belíssima sonata de Shostakovich; começa a tirar a casaca e rompe o clima erudito com o genial porteño Piazzolla e seu Grand Tango; põe uma havaiana para avançar pela villalobiana brasilidade de Egberto Gismonti. E quando tudo parecia como dantes no quartel de Abrantes ele volta para o século 19, larga as havaianas, retoma a casaca e interpreta a versão para violoncelo da célebre sonata de César Franck original para violino.
Não o acusem de pós-modernismo, por favor. Pela diversificação e os saltos tanto históricos quanto de gêneros, o recital de Yo-Yo Ma parece restituir uma prática do século 18, quando se misturava absolutamente de tudo numa apresentação pública – de uma ária de ópera a um movimento de sinfonia, de um quarteto de cordas a um divertimento para cordas. Tanto lá, nos idos do século 18, como hoje, no século 21, o objetivo é o mesmo: não construir uma apresentação orgânica. Aqui, não importa quanto é 2 + 2. É mais interessante e curtido passear pela música. Sem adjetivos. Sem amarras. Sem camisas-de-força. Provocando surpresas. A propósito, sabem como é o título do novo CD de Yo-Yo Ma, cujo conteúdo ninguém sabe até agora, e que será lançado em 31 de julho próximo? “New Impossibilities”.
Em “Respeito”, Richard Sennett comenta de modo inovador a relação cantor-pianista. Ele fala do barítono Dietrich Fischer-Dieskau e do pianista Gerald Moore, mas as palavras aplicam-se à perfeição à nossa dupla Yo-Yo Ma e Kathryn Stott: “No palco o cantor trata o pianista como seu igual. Nos bastidores, a prática de status, prestígio e honra social não predispõem à igualdade; o respeito próprio do artífice é indiferente a isso. Podemos lidar com estes limites tentando tornar a sociedade mais semelhante ao concerto; isto é, explorando as formas de se apresentar como iguais; e demonstrar respeito mútuo. Contudo, o exemplo musical deixa claro como isto seria difícil. Parte do que faz de ambos os homens intérpretes raros é que eles alcançaram a mutualidade; muitos músicos têm o impulso cooperativo, mas poucos conseguem traduzi-lo em som”.

terça-feira, 22 de maio de 2007

programação do festival de inverno de campos do jordão

07 JUL
Sábado, 21h
Auditório Claudio Santoro

ORQUESTRA SINFÔNICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
JOHN NESCHLING regente
VADIM GLUZMAN violino
CORO DA OSESP
NAOMI MUNAKATA regente do coro

LIDUINO PITOMBEIRA
Mariinha (1ª audição mundial)
SAMUEL BARBER
Concerto para Violino, Op.14
ROBERT SCHUMANN
Sinfonia nº 2 em Dó maior, Op.61


07 JUL
Sábado 24h
Espaço Cultural Dr. Além

JOCY DE OLIVEIRA meios eletroacústicos e difusão
GABRIELA GELUDA soprano

JOCY DE OLIVEIRA
Solo - Pocket opera


8 JUL
Domingo, 12h30
Praça do Capivari

BANDA SINFÔNICA JOVEM DO ESTADO
MÔNICA GIARDINI regente
CELINA BORDALLO CHARLIER flauta
AS CHORONAS

CAMARGO GUARNIERI
Dança Brasileira
EDMUNDO VILLANI-CÔRTES
Concerto para Flauta e Banda Sinfônica
RADAMÉS GNATTALI
Suíte Retratos - para Regional e Banda Sinfônica
PAULINHO DA VIOLA
Sarau para Radamés (Arr. Júlio César Figueiredo)
TOM JOBIM
Radamés y Pelé (arr. Júlio César Figueiredo)

8 JUL
Domingo, 15h
Igreja Santa Terezinha – Abernéssia

ORQUESTRA DE CÂMARA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
GIL JARDIM regente
LUÍS EUGÊNIO AFONSO ‘MONTANHA’ clarinete

FINZI
Romance para Cordas em Mi bemol maior, Op. 11
Concerto para Clarinete e Orquestra, Op. 31
GILBERTO MENDES
Ponteio
M. CAMARGO GUARNIERI
Abertura Concertante


8 JUL
Domingo, 17h
Praça do Capivari

ORQUESTRA JOVEM DO ESTADO
JOÃO MAURÍCIO GALINDO regente

Homenagem a Chiquinha Gonzaga

Ó Abre Alas
Gaúcho
Lua Branca
Carlos Gomes
Meditação
A Dama de Ouros
Saci-Pererê
Roda Yoyô
Não insistas, rapariga!
São Paulo
Atraente
Viva o Carnaval!


9 JUL
Segunda, 21h
Auditório Claudio Santoro

Música de câmara - Artistas do Festival


10 JUL
Terça, 21h
Auditório Claudio Santoro

Música de câmara - Artistas do Festival

11 JUL
Quarta, 21h
Auditório Claudio Santoro

Música de câmara - Artistas do Festival


12 JUL
Quinta, 17h
Praça do Capivari

ENSEMBLE JOCY DE OLIVEIRA
JOCY DE OLIVEIRA meios eletroacústicos e difusão
GABRIELA GELUDA soprano
RICARDO RODRIGUES oboe e oboefone
PAULO PASSOS clarone
LUCIANO CORREA violoncelo
ALOYSIO NEVES guitarra elétrica
JOAQUIM ABREU percussão
RICARDO SIRI percussão

JOCY DE OLIVEIRA
Revenge of Medea
segmento da opera "Kseni - A estrangeira") - para soprano, violoncelo, clarone, guitarra elétrica, percussão
Raga no Amazonas (versão 2003)
para oboé e meios eletroacústicos
Striding through rooms - (2003)
para clarone solo
Palmyra - (1998)
para oboefone e meios eletroacústicos
Nherana - (2006) primeira audição no Brasil
para violoncelo, oboé, clarone, guitarra elétrica, percussão - (encomenda da Bayerischer Rundfunk - Musica Viva)


12 JUL
Quinta, 21h
Auditório Claudio Santoro

LONDON BRASS
Andy Crowley trompete, Gareth Small trompete, Martin Owen trompa, Robb Tooley trombone, Oren Marshall tuba

M PRAETORIUS
Dances of Terpishcore (arr. Paul Archibald)
D. SCARLATTI
Three Sonatas (arr. Stephen Dodgson)
M. ARNOLD
Brass Quintet Op. 73
J S BACH
Toccata e Fuga in ré menor (arr. T. Jackson)

KARL JENKINS
The Adiemus Collection (arr. Tony Small)
OREN MARSHALL
Bush Baby – Parts 1 and 2
CECILIA MCDOWALL
Tango Oscuro
I ALBENIZ
Espana (arr. Richard Bissill)


13 JUL
Sexta, 18h
Capela do Palácio

Música de câmara - Artistas do Festival


13 JUL
Sexta, 21h
Auditório Claudio Santoro

ANTÔNIO MENESES violoncelo
MARIA JOÃO PIRES piano

J S BACH
Suíte nº3 em Dó maior
SCHUBERT
Sonata Arpeggione em lá menor
BEETHOVEN
Sonata nº3 em Lá maior


14 JUL
Sábado, 12h30
Praça do Capivari

BANDA SINFÔNICA
ABEL ROCHA regente
LONDON BRASS

A.TRAVASSOS
"Não insistas, Chiquinha!"
NANCY GALBRIGHT
Elfin Thunderbolt
LAUNY GRONDAHHL
Concerto pra Trombone
CURNOW
Five concord diversions (para quinteto e Banda)
MEHMARI
Tipos humanos de Goya
L. BERNSTEIN
Slava! (Homenagem a Rostropovitch)

14 JUL
Sábado, 15h
Igreja São Benedito – Capivari

CORAL JOVEM DO ESTADO
NAOMI MUNAKATA regente
NIBALDO ARANEDA regente
ADRIANA CLIS mezzo soprano
SAID TUMA órgão

H. VILLA-LOBOS
Xangô
H. VILLA-LOBOS
Rosa Amarela
M. CAMARGO GUARNIERI
Sinhô Láu
M. CAMARGO GUARNIERI
O Rei mando me chamâ
M. CAMARGO GUARNIERI
Egbêgi
OSVALDO LACERDA
Três pontos de Caboclo
GABRIEL FAURÊ
Messe basse (coro feminino e órgão)
M. CAMARGO GUARNIERI
Sanctus da missa Diligite
H. VILLA LOBOS
Magnificat – Alleluia

14 JUL
Sábado, 16h
Capela do Palácio

SHARON ISBIN violão

ISAIAS SÁVIO
Batucada
GAUDENCIO THIAGO DE MELLO (editada por Antônio Carlos Barbosa-Lima)
Uirapurú do Amazonas
LEO BROUWER
El Decameron Negro (Escrita para Sharon Isbin)
La Huida de los Amantes por el Valle de los Ecos
La Arpa del Guerrero
ENRIQUE GRANADOS
Spanish Dance #5
FRANCISCO TÁRREGA
Recuerdos de la Alhambra
ISAAC ALBENIZ
Astúrias (transcrita por Andrés Segovia)
JOHN DUARTE
Joan Baez Suite, Opus 144 - (escrita para Sharon Isbin)

TAN DUN
Seven Desires for Guitar (2000) (Escrita para Sharon Isbin)
AGUSTIN BARRIOS MANGORÉ
Waltz Opus 8, #4

14 JUL
Sábado, 17h
Praça do Capivari

CAMERATA FEMININA DE VIOLÕES DO PROJETO GURI
MÔNICA SALMASO cantora

14 JUL
Sábado, 21h
Auditório Claudio Santoro

ORQUESTRA SINFÔNICA BRASILEIRA
ROBERTO MINCZUK regente
DAME KIRI TE KANAWA soprano

RICHARD WAGNER
Abertura
ERICH KORNGOLD
Marietta's Lied
GUSTAVE CHARPENTIER
Depuis le jour
CAMARGO GUARNIERI
Encantamento
RICHARD STRAUSS
Morgen!
Ständchen
Zueignung
JOSEPH MARIE CANTELOUBE
Baïlèro
Lo Fiolairé
La Delaïssádo
RICHARD STRAUSS
Suíte da ópera O Cavaleiro da Rosa, Op. 59


15 JUL
Domingo, 12h30
Praça do Capivari

ORQUESTRA SINFÔNICA BRASILEIRA
ROBERTO MINCZUK regente

RICHARD WAGNER
Abertura
RICHARD STRAUSS
Suíte da ópera O Cavaleiro da Rosa, Op. 59
15 JUL
Domingo, 15h
Igreja Santa Terezinha – Abernéssia

15 JUL
Domingo, 17h
Praça do Capivari

ORQUESTRA SINFÔNICA BRASILEIRA JOVEM

16 JUL
Segunda 16, 21h
Auditório Claudio Santoro

Música de câmara - Artistas do Festival


17 JUL
Terça, 21h
Auditório Claudio Santoro

Música de câmara - Artistas do Festival


18 JUL
Quarta, 21h
Auditório Claudio Santoro

ORQUESTRA SINFÔNICA MUNICIPAL DE CAMPINAS
KARL MARTIN regente
SÔNIA RUBINSKY piano

FANNY HENSEL
Abertura em Dó maior
CLARA SCHUMANN
Concerto para Piano em lá menor, Op.7
AMY BEACH
Sinfonia n°2 em mi menor, Op.32 - Gaélica


19 JUL
Quinta, 17h
Praça do Capivari

ORQUESTRA PAULISTA DE TATUÍ
ADRIANO MACHADO regente





19 JUL
Quinta, 21h
Auditório Claudio Santoro

ORQUESTRA SINFÔNICA NACIONAL DO TEATRO CLAUDIO SANTORO
IRA LEVIN regente
ALISON BALSOM trompete


RICHARD WAGNER
Abertura da ópera Os Mestres Cantores de Nürnberg
HUMMEL
Concerto para Trompete e Orquestra
M. CAMARGO GUARNIERI
Três Danças
BÉLA BARTÓK
Concerto para Orquestra


20 JUL
Sexta 18h
Capela do Palácio

Música de Câmara - Artistas do Festival


20 JUL
Sexta, 21h
Auditório Claudio Santoro

ORQUESTRA ACADÊMICA
DEBORA WALDMAN regente
ROSANA LAMOSA soprano Rita, dona da padaria
FERNANDO PORTARI tenor Beppe, seu marido
PAULO SZOT barítono Gasparo, o fazendeiro
CARLA CAMURATI direção cênica

GAETANO DONIZETTI
Rita, ópera cômica em um ato
librteto de Gustavo Vaez


21 JUL
Sábado, 12h30
Praça do Capivari


21 JUL
Sábado, 15h
Igreja São Benedito – Capivari

Recital da Classe de Canto
21 JUL
Sábado, 16h
Capela do Palácio

ALISON BALSOM trompete
RICHARD BISHOP piano

SHCHEDRIN
A la Albeniz
FRANCAIX
Sonatine
BITSCH
Quatre Variations sur un theme de Domenico ScarlattiENESCU
Legende
intervalo
TORELLI
Sonata
BELLINI/ARBAN
Variations on a theme from Norma
DE FALLA
Seven Popular Spanish Folk Songs
GERSHWIN
Two Songs - Someone to Watch over me and I got Rhythm


21 JUL
Sábado, 17h
Praça do Capivari

ORQUESTRA JOVEM TOM JOBIM
ROBERTO SION regente
FRANCIS HIME piano


21 JUL
Sábado, 21h
Auditório Claudio Santoro

ORQUESTRA SINFÔNICA MUNICIPAL
JOSÉ MARIA FLORÊNCIO regente
JEAN-LOUIS STEUERMAN piano

JORGE ANTUNES
Abertura Olga
SERGEI RACHMANINOV
Concerto nº 1
HECTOR BERLIOZ
Sinfonia Fantástica


22 JUL
Domingo, 12h30
Praça do Capivari

ORQUESTRA ACADÊMICA
DEBORA WALDMAN regente
ROSANA LAMOSA soprano - Rita, dona da padaria
FERNANDO PORTARI tenor - Beppe, seu marido
PAULO SZOT barítono - Gasparo, o fazendeiro
CARLA CAMURATI direção cênica

GAETANO DONIZETTI
Rita, ópera cômica em um ato
libreto de Gustavo Vaez


22 JUL
Domingo, 15h
Igreja Santa Terezinha – Abernéssia


22 JUL
Domingo, 17h
Praça do Capivari

JAZZ SINFÔNICA
JOÃO MAURÍCIO GALINDO regente


23 JUL
Segunda, 21h
Auditório Claudio Santoro

Música de Câmara - Artistas do Festival


24 JUL
Terça 24, 21h
Auditório Claudio Santoro

ORQUESTRA SINFÔNICA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
CARLOS MORENO regente

ALMEIDA PRADO
Arcos Sonoros da Catedral Bruckner
GUARNIERI
Brasilianas
Intervalo
JEAN SIBELIUS
Sinfonia nº 2 em Ré Maior Op. 43


25 JUL
Quarta, 21h
Auditório Claudio Santoro

CRISTINA ORTIZ piano
Homenagem a Guiomar Novaes

FRANZ SCHUBERT
Sonata em lá menor, Op. 143
Impromptu em Sol bemo maior, Op.90
Impromptu em Mi bemol maior, Op.90
CLAUDE DEBUSSY
Reflets dans l'eau
L'Isle joyeuse
Intervalo
JOHANNES BRAHMS
Intermezzo em si bemol menor
Intermezzo em mi bemol menor
FRÉDERIC CHOPIN
Estudo nº 1 Op.25
Estudo nº 5 Op.25
Estudo nº 7 Op.25
Estudo nº 12 Op.25


26 JUL
Quinta, 17h
Praça do Capivari

FORTUNA



26 JUL
Quinta, 21h
Auditório Claudio Santoro

EROICA TRIO
SUSIE PARK violino
SARA SANT’AMBROGIO violoncelo
ERIKA NICKRENZ piano

REBECCA CLARKE
Trio for violin, cello and piano
ASTOR PIAZZOLLA
Três Tangos
HEITOR VILLA-LOBOS
Ária das Bachianas Brasileiras nº 5
ROBERT SCHUMANN
Trio para Piano nº 2 em Fá Maior, Op. 80

27 JUL
Sexta, 18h
Capela do Palácio
Música de Câmara - Artistas do Festival


27 JUL
Sexta, 21h
Auditório Claudio Santoro

ORQUESTRA ACADÊMICA
ROBERTO MINCZUK regente
GABRIELA GELUDA soprano


AARON COPLAND
Fanfarra para o Homem Comum
JOCY DE OLIVEIRA
Who Cares if She Cries II?
R STRAUSS
Don Juan
JOAN TOWER
Fanfarra para a Mulher Incomum
RIMSKY-KORSAKOV
Sheherazade, Op. 35

28 JUL
Sábado, 12h30
Praça do Capivari

ORQUESTRA ACADÊMICA
ALUNOS DA CLASSE DE REGÊNCIA

R STRAUSS
Don Juan
RIMSKY-KORSAKOV
Sheherazade, Op. 35


28 JUL
Sábado, 15h
Igreja São Benedito

Recital dos Alunos da Classe de Piano


28 JUL
Sábado, 16h
Capela do Palácio
28 JUL
Sábado, 17h
Praça do Capivari

ORQUESTRA SINFÔNICA DE SANTO ANDRÉ
FLÁVIO FLORENCE regente
ROSANA LAMOSA soprano
Homenagem a Bidú Sayão

ANTONIO CARLOS GOMES
Abertura da ópera "Fosca"
HEITOR VILLA-LOBOS
"O Trenzinho do Caipira" da Bachiana Brasileira No. 2
"Canção do Amor" e "Melodia Sentimental" de "A Floresta do Amazonas"
CAMARGO GUARNIERI
"Dança Brasileira"
GEORGES BIZET
"Prélude" e "Danse Bohémienne" da ópera "La jolie fille de Perth"
GIACOMO PUCCINI
"Quando m'en vo" (valsa de Musetta) da ópera "La Bohème"

28 JUL
Sábado, 21h
Auditório Claudio Santoro

ORQUESTRA SINFÔNICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
JOHN NESCHLING regente
ANNA KORONDI soprano
CORO DA OSESP

WOLFGANG AMADEUS MOZART
Exultate jubilate, KV 165
HEITOR VILLA-LOBOS
A Floresta do Amazonas

JUL 29
Domingo, 17h
Sala São Paulo

ORQUESTRA ACADÊMICA
ROBERTO MINCZUK regente
GABRIELA GELUDA soprano

AARON COPLAND
Fanfarra para o Homem Comum
JOCY DE OLIVEIRA
Who Cares if She Cries II?
RICHARD STRAUSS
Don Juan
JOAN TOWER
Fanfarra para a Mulher Incomum
RIMSKY-KORSAKOV
Sheherazade, Op. 35

sexta-feira, 11 de maio de 2007

lady macbeth do distrito de mtsenk - crítica de lauro machado coelho

Sufocada pelo tédio espesso da vida na província; devorada por uma paixão que a leva a todos os extremos; humilhada pela prisão, o degredo e, sobretudo, pela traição do homem que ama – cada uma das etapas da evolução psicológica de Katerína Izmáilova foi recriada, de forma impressionante, por Eliane Coelho, no palco do Teatro Amazonas. Num espetáculo que o maestro Luiz Fernando Malheiro dedicou a Mstisláv Rostropóvitch, seu incansável defensor, A Lady Macbeth do Distrito de Mtsensk, a ópera de Dmitri Shostakóvitch que é um divisor de águas na história da música soviética, subiu à cena, domingo, em Manaus, pela primeira vez no Brasil.
Às inflexões de uma voz muito flexível, que sabe adaptar-se instintivamente à natureza íntima dos papéis que interpreta, Eliane somou seu talento natural para a cena. Katerína é uma personagem talhada na medida para a atriz que ela é. Da ária do primeiro ato, em que a mulher frustrada lamenta a sua solidão, ao lancinante monólogo do último ato, em que ela compara a sua alma às águas negras de um lago escondido no fundo da floresta, Eliane ofereceu, da mulher forte retratada por Lieskóv s Shostakóvitch, um retrato coerente e cheio de vibração humana.
Nisso foi apoiada, todo o tempo, pela regência de Malheiro que, da Amazônia Filarmônica, obteve uma execução limpa e precisa. Nas mãos de Malheiro, a orquestra teve grandes momentos. O interlúdio que prepara a cena de amor do segundo ato, por exemplo e, em especial, a seqüência em que Shostakóvitch faz deliberada referência ao Adagietto da Quinta Sinfonia de Mahler; ou o magnífico interlúdio que precede a cena da delegacia, no terceiro ato – para só citar alguns trechos.
A Katerína de Eliane foi muito convenientemente ladeada por Martin Mühle (Serguêi, o amante) – cuja voz desenvolveu-se num lírico spinto muito expressivo; e Marcos Paulo (Zinóvyi Borísovitch), que criou bastante bem o marido, fraco, indiferente, dominado pelo pai. Muito decepcionante, ao contrário, foi o Borís Izmáilov do russo Oliég Miélnikov. O timbre não é intrinsecamente mau; mas o cantor parece já estar em declínio: sua voz se esgarça em determinadas passagens e ele não consegue sustentar bem as notas em certas posições. Ao contrário de seus companheiros de elenco, além disso, Miélnikov é um ator de recursos muito limitados.
Essa má escolha, porém, não invalidou o equilíbrio de um elenco muito entrosado nos papéis menores: Luciana Bueno (Aksínia) e Eliane Martorano (Soniétka); Steven Bronk (o pope, uma saborosa vinheta cômica), Sérgio Weintraub (o bêbado que descobre acidentalmente o cadáver de Zinóvyi); Eric Herrero (o professor “niilista”, na delegacia) ou Leonardo Neiva, excelente caracterização do Chefe da Polícia, que protesta contra os salários pequenos e as propinas insignificantes. O registro de Luka Debevec-Meyer não corresponde ao baixo profundo requerido pela partitura para o Velho Condenado; mas seu timbre é muito bonito, e ele conferiu muita dignidade ao personagem, que é um porta-voz do compositor no monólogo do último ato, em que ecoa a imagem da URSS convertida em um gigantesco campo de concentração pela tirania stalinista. Cabe assinalar também o desempenho muito satisfatório do coro, ao longo de todo o espetáculo.
Pretensões simbólicas não muito claras – ou às vezes óbvias – tornaram dispensáveis os penduricalhos que descem do teto – uma sinistra borboleta; um cavalo destripado; a letra cirílica que, na antiga ortografia, era usado no fim de palavras terminadas por consoante – ou certas projeções, como o cavalo em disparada no final (uma imagem da liberdade só adquirida na morte?). De um modo geral, a montagem de Caetano Vilela cresceu gradualmente, ato a ato.
O primeiro ato foi prejudicado pela iluminação errática e a tendência ao modismo, comum em encenações contemporâneas, de ambientar certas cenas num breu quase absoluto, cansativo e dramaticamente ineficientes (a cena do assédio a Aksínia é o caso típico). Isso se estabilizou a partir do segundo ato; e houve, no terceiro, momentos muito satisfatórios: a cena da delegacia, em que se ressaltou a ironia com que o libreto descreve a corrupção e o autoritarismo das autoridades; e a do casamento, colorida, muito valorizada pelos bonitos figurinos de Chris Aizner e Olinto Malaquias. De grande impacto foi também o último ato, em que se viram bem resolvidas as sugestões da planície siberiana deserta, e do acampamento de prisioneiros à beira do Volga, em que Katerína se atira com Soniétka, a forçada jovem pela qual Serguêi a trocou.
Uma vez mais o Festival do Teatro Amazonas contribuiu para a história da produção de ópera no Brasil ao nos fazer ver, pela primeira vez, um dos títulos mais fortes do repertório do século 20. A interpretação de Eliane Coelho, a concepção musical de Luiz Fernando Malheiro juntaram-se para fazer dessa Lady Macbeth um espetáculo marcante.

sexta-feira, 4 de maio de 2007

o século de rostropóvitch, por lauro machado coelho

A vida inteira, ele esteve do lado certo da cerca. No dia de 1968 em que os tanques do Pacto de Varsóvia entraram em Praga, para sufocar a rebelião de Dubcek, Rostropóvitch protestou executando, no Albert Hall de Londres, o Concerto para Violoncelo de Dvorák – pilar de seu repertório, de que fez várias gravações, desde a histórica primeira vez, em 1950, com o grande maestro tcheco Václav Talich.
Percorrer a vida de Mstisláv Rostropóvitch é, de certa forma, assistir ao filme da história musical e política da segunda metade do século 20. Ele esteve presente em todos os grandes acontecimentos da vida de seu país, em uma fase muito delicada de sua trajetória. E no pé das nove páginas da edição especial que a revista inglesa Gramophone dedicou a seu 80º aniversário – comemorado um mês antes de sua morte, no último dia 27 – há, como uma linha do tempo, algumas das 240 obras que lhe foram dedicadas, e que ele estreou.
A lista é impressionante. Só ela bastaria para celebrizar um instrumentista que, a essas contribuições para o repertório, somou ainda algumas das mais belas interpretações da literatura básica para o seu instrumento. Com poucas exceções – Bartók é a maior dela – todos os grandes nomes da música contemporânea compuseram para Mstisláv Rostropóvitch, desde a Sinfonia Concertante, de Prokófiev, em 1952, até a Parábola Concertante, de Rodiôn Shtchedrín, em 2002. O bem-amado Shostakóvitch, seu amigo Benjamin Britten, Arám Khatchaturián, Henri Dutilleux, Witold Lutoslawski, Álfred Shnittke, Krzysztof Penderecki, Olivier Messiaen – as mais variadas tendências do desenvolvimento da música de hoje foram por ele defendidas.
E, no entanto, Mstisláv Leopóldovitch quase não veio ao mundo. Ao descobrir que estava grávida, a pianista Sófia decidiu abortar, pois já tinha uma filha pequena, Veroníka, e um novo bebê seria um impecilho para a sua carreira de concertista ao lado do marido, o violoncelista Leopóld Rostropóvitch que, na época, morava em Baku, no Azerbaijão. Por sorte, o tempo já decorrido desde a gravidez impediu a interrupção; e o menino que nasceu em 27 de março de 1927 cedo demonstrou ter herdado o talento dos pais para a música.
Aos quatro anos, já morando em Moscou, ele recebeu de Sófia as primeiras lições de piano. E a partir dos oito, começou o violoncelo com Leopóld, que assentou as bases de sua técnica extraordinária. Em 1940, aos 13 anos, Slava – “glória”, seu apelido premonitório – apresentou-se em público, tocando o Concerto em lá menor de Saint-Saëns. As primeiras aulas de composição, ele as teve com Mikhaíl Tchuláki; e prosseguiu-as com Vissariôn Shebalín, ao entrar para o Conservatório em 1943, um ano após a morte do pai. Ali, foi aluno de violoncelo de seu tio, o famoso Simiôn Kozolúpov (ele era casado com Nadiêjda, a irmã mais velha de Sófia). E teve aulas de composição com Shostakóvitch, seu grande ídolo e amigo, até este cair nas malhas do regime e ser demitido de seu cargo de professor (por “incompetência”!)
Um sucesso atrás do outro marcou a carreira de Mstisláv Rostropóvitch. A graduação aos 19 anos, um ano depois do primeiro lugar no Prêmio Tchaikóvski; a amizade com Prokófiev, Shostakóvitch, Miaskóvski – e com Môishei Váinberg, polonês naturalizado russo, de cuja família foi um dos poucos a não se afastar, quando ele foi vítima dos expurgos stalinistas. E essa carreira ganhou impulso novo a partir do casamento, em 1955, com uma das maiores estrelas do Bolshói: a soprano Galina Vishniévskaia, que ele conhecera em Praga. Acompanhada pelo marido, Galina, em seus recitais, deixou documentadas preciosidades do acervo russo de canção – Glinka, Tchaikóvski, Rachmáninov. juntos, eles estrearam também ciclos que Shostakóvitch escreveu para ela.
Os 52 anos da união de Galina e Slava foram cimentados não só pela arte que eles tinham em comum. Mas também, e principalmente, pela cumplicidade de quem teve a coragem de nunca se calar, nos piores momentos da história de seu país, e de quem compartilhou o sofrimento, em conseqüência dessas atitudes de destemor. Eles foram praticamente os únicos a estender a mão a Aleksandr Soljenýtsin, hospedando-o em sua datcha (casa de campo), quando ele foi expulso da União dos Escritores por ter publicado, no exterior, o Arquipélago Gulag, em que denunciava o universo concentracionário soviético, e que lhe valeu o Prêmio Nobel em 1970.
E Rostropóvitch foi o autor de uma famosa carta-aberta ao Pravda – ignorada por esse jornal, mas publicada pelo New York Times de 16 de novembro de 1970 –, em que defendia Soljenýtsin, e protestava contra outros abusos, entre eles a proibição da poesia de Iósif Bródski, dos filmes de Andrêi Tarkóvski, e da ópera A Lady Macbeth do Distrito de Mtsensk, de Shostakóvitch (a gravação da versão original dessa ópera, que o Brasil, por coincidência, está ouvindo pela primeira vez, hoje, em Manaus, foi feita por ele e Galina, no Ocidente, em 1979, para o selo EMI).
Foi pesado o preço que ambos tiveram de pagar. Concertos de Rostropóvitch em Moscou ou Leningrado eram subitamente cancelados ou transferidos para Alma-Atá, do outro lado do mundo. Galina chegava ao Bolshói para cantar a Tatiana do Ievguiêni Oniéguin, seu maior papel, e descobria que seu nome não estava no programa. Em 1973, eles tinham um contrato com o selo Melódyia para gravar a Tosca. Logo depois de iniciadas as sessões de estúdio, um mensageiro da ministra da Cultura, Iekaterína Fúrtseva, chegou com a notícia de que a gravação tinha sido cancelada. Dias depois, eles souberam que o registro estava sendo feito por Tamára Mláshkina, com a regência de Mark Érmler (essa ópera também, Slava e Galina gravaram em 1979, para a EMI, com Franco Bonisolli e Matteo Manuguerra).
Nessa Tosca russa cantam Iúri Mazurôk (Scarpia) e Vladímir Atlántov (Cavaradossi). Em 1969, o casal os tinha levado para a triunfal apresentação do Ievguiêni Oniéguin em Paris, que resultou numa magnífica gravação para o selo Angel. Mas fidelidade não era moeda muito corrente num país em que a regra era virar as costas àqueles que caíssem em desgraça. Finalmente, na primavera de 1974, quando o ar se tornara irrespirável, Slava, Galina e as duas filhas receberam a autorização de sair da URSS. Estavam em Paris quando lhes chegou a notícia de que a sua cidadania soviética tinha sido cassada.
Por algum tempo, viveram como apátridas, viajando com um passaporte especial da Casa Grimaldi, de Mônaco – foi assim que vieram pela primeira vez ao Brasil, em 1978. Depois, naturalizaram-se suíços. E só em 1990 puderam voltar à Rússia e reassumir a cidadania perdida 15 anos antes. No Ocidente, Rostropóvitch continuou incansável, gravando, regendo a Sinfônica de Washington de 1977 a 1994, e encomendando obras novas a Luciano Berio, a Leonard Bernstein, a Andrzej Panufnik, a James McMillan. E, em casa, a partir do momento em que lhe foi permitido retornar, colaborou ativamente com o processo de reestruturação de seu país, após o colapso da URSS.
A Fundação Rostropóvitch-Vishniévskaia investiu somas consideráveis no apoio a crianças carentes. Uma de suas iniciativas foi um gesto de carinho e de gratidão: em maio de 2002, Slava comprou em São Petersburgo, para ali instalar um museu, o apartamento nº 7, da Marat Úlitsa. Foi ali que seu amigo Shostakóvitch morou entre 1917 e 1936.
Em 7 de abril deste ano, circulou pela primeira vez a notícia de que Mstisláv Rostropóvitch estava seriamente doente. Estivera internado em um hospital parisiense, e a medicina ocidental lhe poderia oferecer os mais modernos recursos. Mas foi para Moscou – e nessa escolha foi russo até o fim – que quis voltar. Morreu na rússkaia ziemliá, a terra russa da qual, mesmo expulso, nunca arrancou as suas raízes. E nela repousa, no cemitério de Novodiévitchi, o mesmo onde descansam Prokófiev e Shostakóvitch.

Discografia sugerida:

- Dvorák – Concerto para violoncelo (Giulini) .
● Shostakóvitch – Concerto nº 1 – Philadelphia/Ormandy (Sony)
● Brahms – Sonatas para Violoncelo – com Rudolf Serkin (DG)
● Beethoven – Sonatas para Violoncelo – com Sviatosláv Richter (EMI)
● Henri Dutilleux e Witold Lutoslawski – Concertos para Violoncelo – duas grandes encomendas contemporâneas (EMI)
● Bach – as Suítes para Violoncelo solo (EMI)
● Shostakóvitch – Sinfonia nº 4 – parte da integral com a Sinfônica de Washington (Teldec).
● Tchaikóvski – Ievguiêni Oniéguin – com Vishniévskaia, Atlántov, Mazurôk (EMI)
● Shostakóvitch – Lady Macbeth de Mtsensk – com Vishniévskaia, Gedda (EMI).
● o álbum da EMI Classics com ciclos de canções – Tchaikóvski, Mússorgski, Rachmáninov, Shostakóvitch – que ele gravou com Vishniévskaia.

quarta-feira, 25 de abril de 2007

budapest festival orchestra, fischer - crítica de lauro machado coelho

Elegância, transparência de texturas, clareza de articulações, entrosamento entre os quatro solistas – estas foram as qualidades que, de imediato, se evidenciaram na Sinfonia Concertante em Mi Bemol Maior K 297b, de Mozart, escolhida por Iván Fischer para iniciar o programa de segunda-feira, dia 16, na Sala São Paulo, da Budapest Festival Orchestra, que abriu a temporada deste ano da Sociedade de Cultura Artística. Interação entre os instrumentistas é essencial nesta peça em que, recusando-se a tratá-los separadamente, Mozart estabelece, entre os solistas, um diálogo denso mas constantemente flexível. Foi o que mostraram Ludu Carmel e Ákos Ács, no episódio central, para oboé e clarineta, do Allegro inicial, apoiados pela trompa de Zoltán Szöke e pelo fagote de Tamás Benkócs. Os solistas desenrolaram com delicadeza a resplandecente tapeçaria sonora do Adagio. Mas o que mais encantou foi a assumida leveza e alegria da execução, no insólito Andantino final, cujas dez variações, sobre um tema popular de ritmo dançante, eles executaram com um visível prazer em estar fazendo música juntos. A riqueza de sonoridades e a precisão da regência de Fischer foram um bom trailer para o que se poderia esperar do grande desafio da noite: a Sinfonia nº 7 em Mi Maior A 109, de Anton Bruckner. Aqui, realmente, Iván Fischer deu provas de ser um regente de primeira linha, na forma cuidadosa como utilizou os naipes muito equilibrados da Budapest Festival Orchestra – cordas opulentas contra metais muito brilhantes (em especial as trompas e as tubas wagnerianas, que Bruckner utiliza pela primeira vez na Sétima) – para trabalhar os amplos blocos do discurso sinfônico. Rigor na escolha dos andamentos e, principalmente, no balanceamento das gradações dinâmicas, resultou em momentos eletrizantes como a ampla coda do Allegro moderato, sobre o belíssimo tema com que a sinfonia se inicia. Incandescente núcleo emocional da Sétima – elegia para o bem-amado Richard Wagner, que morreu em 1883, durante a composição da mi maior – o Adagio foi feito com grande intensidade. Fischer usou a versão inicial da partitura, sem a polêmica batida de pratos incluída a pôsteriori, por Bruckner, no clímax do movimento; mas isso não diminuiu em nada o efeito dramático desse trecho, com o qual o tumultuoso Scherzo – de um tom popular tipicamente bruckneriano – formou um contraste de grande impacto. Foi com um misto de nobreza e energia controlada que Iván Fischer e a Budapest Festival Orchestra realizaram o Finale: bewegt doch nicht schnell (movimentado, mas não muito rápido), de sólida arquitetura. E, como no primeiro movimento, levaram esse encerramento da peça a uma coda espetacular, em que se reafirmou, triunfante, o tema inicial. No extra – uma das danças populares recolhidas por Béla Bartók –, as cordas passaram um contagiante atestado da qualidade desses instrumentistas húngaros, responsáveis por uma apresentação de alto nível, que deve ter se repetido no segundo concerto, em que foram interpretadas obras de Léo Weiner, Schumann e Beethoven.

sinfônica brasileira, cohen, minczuk - crítica de lauro machado coelho

Nas mãos de Roberto Minczuk, seu atual diretor artístico, a Orquestra Sinfônica Brasileira parece estar realmente superando a fase crítica com que se debatia tempos atrás. O que a OSB demonstrou, quarta-feira, no primeiro da série de quatro concertos que vai apresentar no Teatro Alfa, foi um equilíbrio muito maior entre os naipes, um desempenho muito consistente dos metais e madeiras, contrapostos às cordas, um nível homogêneo de execução que vai deixando rapidamente para trás as irregularidades de um passado recente.E o primeiro teste para isso foi a bem cuidada interpretação do Uirapuru, de Villa-Lobos, com o seu exuberante uso das sonoridades orquestrais para evocar os ruídos da floresta tropical. É uma peça ainda habitada por influências da escola francesa e, sobretudo, do Stravinski da Sagração (e Minczuk foi muito hábil em deixar tudo isso muito claro). Mas é, ao mesmo tempo, uma obra de tom inequivocamente pessoal na qual, como dizia Mário de Andrade, “a orquestra avança, se arrastando penosamente, quebrando galhos, derrubando árvores, tonalidades e tratados de composição”.Homenagem ao centenário de morte de Edvard Grieg, que se relembra em setembro deste ano, o seu Concerto em lá menor op. 16 recebeu, de Arnaldo Cohen, uma interpretação bastante correta. De um modo geral, foram muito mais persuasivos os momentos de inflexão lírica – a cadência do Allegro molto moderato; os delicados toques de colorido do Adagio, de tom noturno; o lírico episódio cantabile no meio do Allegro moderato e marcato –, mais bem resolvidos do que passagens de bravura como o ritmo marcado de halling, a dança popular norueguesa, do terceiro movimento. Mas foi, no conjunto, uma execução muito satisfatória complementada, no extra, por uma leitura encantadora de um dos meditativos Liebesträume de Liszt.A espetacular transcrição feita por Maurice Ravel, em 1922, dos Quadros de uma Exposição, de Módest Mússorgski, é um resplandecente mostruário das possibilidades da orquestra. Essa é uma peça com a qual Minczuk tem muita familiaridade, e da qual sabe extrair os melhores efeitos. Os diversos climas da Promenade, por exemplo: o brilho da enunciação inicial do tema pelo trompete; a nostalgia da trompa antes do Velho Castelo; a brilhante introdução das Tulherias, e assim por diante. Há episódios que ele sempre realiza com muita graça: a agitação popular do Mercado de Limoges, por exemplo; ou as frases esganiçadas do trompete, imitando a voz de taquara rachada de Schmuyle, o judeuzinho pobre, contraposta ao rico e arrogante Samuel Goldenberg (cordas e madeiras em uníssono).A OSB passou incólume pelos árduos testes de uma partitura que exige muito de todos seus naipes. E chegou com brilho à Grande Porta de Kíev, em que o tema do Passeio é retrabalhado de forma épica e religiosa, para evocar uma visão heróica do passado. Uma coda que arrancou do público reação entusiástica.

a filha do regimento - crítica de lauro machado coelho

Agilidade de concepção, mão leve da direção, tratamento bem-humorado das situações, que arrancam da platéia as risadas mais espontâneas – essas são as qualidades mais marcantes da encenação de La Fille du Régiment, de Gaetano Donizetti, que estreou no sábado no Teatro Municipal.Sem sentir a necessidade de alterar o contexto histórico – a ópera ainda se passa no Tirol dos primeiros anos do século 19, fiquem tranqüilos – o diretor André Heller-Lopes se permitiu uma saudável dose de liberdade, salpicando, aqui e ali, bem encaixadas referências contemporâneas e brincadeiras com as convenções do gênero lírico, que só serviram para aumentar as divertidas reações do público. Apoiado nos bonitos cenários de Renato Theobaldo, bom desenho de luz de Fabio Retti e figurinos muito adequados de Marcelo Marques, o espetáculo que Heller colocou em cena foi colorido, engraçado, beirando deliberadamente o kitsch, às vezes, mas sem resvalar para o mau-gosto, e obtendo do elenco resposta muito desenvolta.Funcionou muito bem, além do uso do português nos diálogos típicos do opéra-comique – solução a que o público já está habituado – a idéia de Jacqueline Laurence, a única francesa do elenco, dizer as suas falas no original. Isso não só caracteriza o esnobismo de sua personagem, a Duquesa de Krankentorp, como acentua a distância que ela, como aristocrata, coloca entre si mesma e o comum dos mortais.Embora o seu papel seja pequeno, a Marquesa de Birkenfeld de Denise de Freitas foi, vocal e cenicamente, a presença mais marcante em cena. Além de cantar de modo impecável, ela se revelou ótima comediante como a mãe verdadeira de Marie, a órfã coletivamente adotada pelo 21º Regimento de Granadeiros. Nos “cacos” inseridos por Heller nos diálogos, Denise esteve muito engraçada, em especial nos momentos em que chama às falas o maestro como, no fundo, todo cantor gostaria de fazer. A sua contrapartida masculina, Douglas Hahn, por muito tempo ausente de nossos palcos, retorna a São Paulo em ótima forma dramática e teatral, fazendo de modo muito divertido o sargento Sulpice, um dos “pais” de Marie.A personagem título exibiu, nas mãos de Rosana Lamosa, uma dose igual de qualidades e problemas. Boa atriz, criando bem a personagem tal como Heller a imagina, dona de timbre privilegiado, Lamosa não exibiu dificuldades na ornamentação exigida pela parte. Mas a voz, pequena, tendeu a ter pouco apoio nos graves, que soaram foscos e, com freqüência, foram encobertos pela orquestra – e isso prejudicou parcialmente a interpretação de sua grande ária do segundo ato. Mas Rosana sabe o que faz e, quando a partitura vem ao encontro de suas melhores virtudes, o resultado é muito bonito. Foi o caso de “Il faut partir”, no final do primeiro ato, cheia de ecos de Grétry e Auber, prova patente de que Donizetti, poucos meses depois de chegar a Paris, já sabe perfeitamente como escrever no estilo francês. Ali, a típica voz de soprano lírico de Lamosa teve o seu melhor momento em todo o espetáculo.Assim sendo, reunidos os dotes histriônicos de Denise, Douglas e Rosana, a cena mais hilariante – ponto culminante da comédia – foi a da lição de canto, no segundo ato, em que a marquesa tenta em vão ensinar à sua filha redescoberta uma tediosa romança de salão, que vai sendo aos poucos vencida pelo ritmo contagiante do “Rataplan”, que lhe lembra as alegrias simples de quando ela era a vivandeira do 21º Regimento.O desempenho mais difícil de equacionar é o de Flávio Leite (Tonio). Ele não é mau ator, realiza com facilidade as intenções do diretor, é um cantor afinado, com extensão bastante satisfatória, que alcança normalmente as notas muito agudas de sua tessitura – mas o faz de modo irreparavelmente feio, pois o timbre, infelizmente, é ingrato: às vezes demasiado anasalado, às vezes francamente caprino, com legato imperfeito. Pode-se imaginar facilmente Flávio Leite num papel característico como o do Basílio das Bodas de Fígaro. Mas não se sabe prever o futuro da carreira de um tenor ligeiro ao qual faltam as qualidades essenciais do belcanto e que – apesar de sua coragem em enfrentar um papel como o de Tonio, no qual investiu bastante energia – parece inadequado para o tipo do galã, um Nemorino, um Ernesto, um Almaviva. Inteligentemente, André Heller percebeu as limitações do cantor, e deu a seu personagem uma inflexão caricatural que, principalmente na temível “Ô mes amis, quel jour de fête”, fez a seqüência de nove dós soar engraçada e obteve, junto à platéia, resultado aceitável.Feitas as contas, essa Fille du Régiment convence pelo resultado de conjunto de um desempenho homogêneo dos figurantes e do Coral Lírico, pela condução correta do maestro José Maria Florêncio, a que a Sinfônica Municipal responde bem; mas, sobretudo, pela vivacidade de uma encenação esfuziante, principal motivo para que valha a pena ir ao teatro, nestes próximos dias, assistir a esta comédia de Donizetti, que não era montada em São Paulo desde 1894.