quinta-feira, 27 de setembro de 2007

bienal de música do rio

Compositores selecionados para a XVII Bienal de Música Brasileira Contemporânea

Alexandre Schubert - RJ
Almeida Prado - SP
Andersen Viana - MG
Antônio Carlos Borges Cunha - RS
Antônio Ribeiro - SP
Arthur Kampela - SP
Bruno Ângelo - RS
Bruno Ruviaro - SP
Caio Senna - RJ
Calimerio Soares - MG
Celso Mojola - SP
Cristina Dignarte - MT
Daniel Barreiro - RJ
Daniel Quaranta - RJ
Dimitri Cervo - RS
Diogo Ahmed - RJ
Edson Tadeu - SP
Edson Zamprona - SP
Eduardo Guimarães Álvares - MG
Eli-Eri Moura - PB
Ernesto Hartmann - RJ
Ernst Mahle - SP
Fabio Bizzoni - RJ
Felipe de Souza Lara - EUA
Fernando Iazzetta - SP
Fernando Riederer - Áustria
Frederick Carrilho - SP
Guilherme Bauer - RJ
Gustavo Guerreiro - RJ
H. Dawid Korenchendler - RJ
Harry Crowl - PR
Henrique de Curitiba - PR
Henrique Iwao - SP
Ilza Nogueira - PB
João Guilherme Ripper - RJ
Jocy de Oliveira - RJ
Jônatas Manzolli - SP
José Orlando Alves - PB
Liduino Pitombeira - CE
Lúcio Zandonadi - RJ
Luiz Carlos Csekö - RJ
Marcelo Carneiro de Lima - RJ
Marcelo Chiaretti - MG
Marcilio Rufino dos Santos - RJ
Márcio Steuernagel - PR
Marcos Campello - RJ
Marcos da Silva Sampaio - BA
Marcos Lucas - RJ
Marcos Mesquita - Alemanha
Marcos Nogueira - RJ
Marcus Alessi Bittencourt - PR
Maria Helena Rosas Fernandes - MG
Mario Ferraro - RJ
Mario Ficarelli - SP
Maurício de Bonis - SP
Murillo Santos - RJ
Nestor de Hollanda Cavalcanti - RJ
Nikolai Brucher - RJ
Paulo C. Chagas - BA
Paulo César Guicheney - DF
Paulo de Tarso Salles - SP
Paulo Oliveira Rios Filho - BA
Pauxy Gentil-Nunes - RJ
Pedro Kröger - BA
Potiguara Menezes - SP
Raul do Valle - SP
Ricardo Reis A. de Mattos - RJ
Ricardo Tacuchian - RJ
RJ Marisa Rezende - RJ
Roberto Macedo Ribeiro - RJ
Roberto Toscano - SP
Roberto Victorio - MT
Rodolfo Vaz Valente - SP
Rodrigo A. de Muniagurria - RS
Rodrigo Cicchelli Velloso - RJ
Rogério Costa - SP
Rogério Krieger - PR
Rogério T. Constante - RS
Rogério V. Barbosa - RS
Roseane Yampolschi - PR
Sérgio Di Sabbato - RJ
Sérgio Freire - MG
Silvia de Lucca - SP
Silvio Ferraz - SP
Thiago Sias - RJ
Tim Rescala - RJ
Vagner Bonella Cunha - RS
Yahn Wagner - RJ
Yanto Laitano - RS

contemplados programa de apoio à orquestra

Projetos selecionados para o Programa de Apoio a Orquestras

- Associação Artística de Concertos do Ceará
- Sociedade Musical Bachiana Brasileira
- Centro Cultural Pró-Música
- Fundação Cultural de São Bento do Sul
- Orquestra Filarmônica Musicalizar
- Sociedade Pelotense Música pela Música
- Orquestra Filarmônica Infanto-Juvenil de São Paulo
- Escola de Música da UFRJ
- Filarmônica Nossa Senhora da Conceição
- Artis Collegium Associação Cultural
- Fundação Universitária Estadual de Mato Grosso do Sul
- Instituto Cultural Sérgio Magnani
- Orquestra Sinfônica de Santo André
- Orquestra Sinfônica da Universidade Federal de Mato Grosso
- Associação Cultural Orquestra Câmara Jovem de Ipatinga
- Associação dos Amigos do Centro de Estudos Musicais Tom Jobim
- Fundação Cultural Marina Lorenzo Fernandez
- Sociedade Dramático Musical Carlos Gomes
- Orquestra da Universidade Federal de Pernambuco

A Comissão separou ainda duas propostas suplentes, para o caso de impedimento de alguma das antes referidas, a saber, pela ordem de preferência:
- Orquestra da Fundação Universidade Regional de Blumenau
- Orquestra Sinfônica da Universidade Estadual de Londrina

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

e para que serve mesmo o maestro?, por joão marcos coelho

A pergunta sintetiza a maior angústia que cerca a vida musical de concertos
em todo o mundo – a alta faixa etária do público: como atrair novas e mais
jovens platéias? A resposta óbvia é injetar sangue novo no pódio, romper com
a dança das cadeiras que faz um troca-troca entre os poucos nomes estrelados
da regência e as maiores orquestras do planeta. É o que acabam de fazer duas
sinfônicas americanas ao indicar para seus pódios titulares dois jovens:
Alan Gilbert, 40 anos, assume a Filarmônica de Nova York na próxima
temporada; e o venezuelano-sensação da batuta, Gustavo Dudamel, 26 anos, faz
o mesmo com a Filarmônica de Los Angeles.
O fato é que público, crítica e profissionais ligados ao universo da música
clássica agem como viúvas das grandes superstars da regência, sentem um
banzo danado dos nomes que dominaram as orquestras no último século,
apoiados primeiro no rádio como instrumento de difusão e depois no disco.
Nomes reluzentes de “gênios” como Arturo Toscanini, Leopold Stokowski,
Wilhelm Furtwängler, e depois Herbert von Karajan e Leonard Bernstein. Ainda
há alguns remanescentes desta era: Kurt Masur, Lorin Maazel, Daniel
Barenboim, Sir Colin Davis.
O gesto das filarmônicas de Nova York e Los Angeles é simbólico. Ficaram
para trás os salários astronômicos por contratos onde as superstars
trabalhavam só oito ou dez semanas por ano. Daqui para a frente, tudo vai
ser diferente. O esquema industrial milionário das gravações em CDs + DVDs +
concertos que sustentava a indústria do disco e dos agentes de concertos com
cifras astronômicas é hoje mera lembrança. A Internet democratizou a relação
entre produtores e consumidores de música.
Os 26 anos de Dudamel ou os 40 de Gilbert não são grande novidade em si.
Stokowski tinha 33 quando assumiu a Orquestra da Filadélfia; Bernstein, 40,
e Zubin Mehta 42 ao assumirem Nova York. Mas eles atuaram segundo o modelo
estabelecido no século 19 por Arthur Nikisch, que concebeu a imagem do
maestro moderno, incluindo a carreira internacional, o culto à personalidade
e, claro, baldes de charme e carisma. O desafio agora é outro. Maestros
precisam se reinventar para sobreviver.
Até agora, a regra era: faça um bom trabalho, seja tirano e autocrático, que
todos reconhecerão sua importância. Isso não funciona mais. Deles se
esperava uma performance de super-herói. “E isso”, escreve o dublê de
maestro e musicólogo Leon Botstein, “destruiu a orquestra, tornando a
prática sinfônica uma profissão muito pouco musical. A fonte deste desastre
é que na cabeça do público o maestro é o grande e único responsável por uma
grande performance. A consolidação da regência como profissão legitimou
maneirismos e institucionalizou hábitos de autoridade que exacerbam as
naturais tensões entre os músicos e o maestro.”
Uma das sacadas de Botstein é que o maestro só sobrevive hoje quando se
legitima diante dos músicos por uma atividade que realiza fora do pódio. Os
exemplos são muitos: compositores como Mahler, Bernstein e André Previn;
pianistas como Daniel Barenboim e Christoph Eschenbach; e
maestros-pesquisadores especialistas na prática da música antiga. Dudamel se
legitima porque é garoto-propaganda do sistema venezuelano, um projeto de
educação musical que espanta o mundo; Gilbert, de outro lado, vai ter que
conviver com a sombra de um maestro convidado permanente, uma superstar
remanescente, o italiano Riccardo Muti.
Neste artigo precioso, intitulado “O futuro da regência” (publicado no
volume The Cambridge Companion to Conducting), Botstein, que também é
diretor do Bard College e da American Symphony Orchestra, lista os desafios
que os jovens maestros têm que enfrentar.
1) O concerto hoje está na periferia da cultura contemporânea. As orquestras
e a composição para orquestra eram o centro da vida musical no século 19.
Não mais. O declínio universal da educação musical coincide, ironicamente,
com o notável aumento da produção de instrumentistas altamente qualificados.
Mas para quem eles vão tocar?
2) Diminuiu o papel da música na cultura e também a demanda por música nova.
Com o declínio da importância da música nova, rompeu-se o vínculo entre
presente e passado que sempre foi decisivo para maestros. “Até a década de
60 do século 20 nenhum maestro fez carreira sem um comprometimento com a
música contemporânea”. E cita uma fieira de exemplos. Para Toscanini foi
Puccini; para Reiner foram Strauss, Bartok e Weiner; para Koussevitzky e
Stokowski foram Stravinski, Berg, Copland; e assim por diante.
3) A economia da música sinfônica é deficitária. Ela custa caro; nunca os
subsídios e patrocínios foram tão decisivos. O rádio primeiro, e depois o
disco, funcionaram como seus difusores. “Neste início de século 21, ambos
estão economicamente moribundos. Ironicamente, de novo, no momento em que
perdem a centralidade em importância cultural e política, as orquestras mais
dependem do Estado para subsídio e da iniciativa privada para patrocínio. O
fôlego destes últimos, porém, diminui a olhos vistos. O mercado reina
supremo. Apenas a chamada ‘elite’ parece preocupada com isso. Nas
democracias, é a maioria que influencia os gastos estatais. No setor
privado, os que possuem dinheiro buscam reconhecimento público por meio da
filantropia, e estão mais interessados nas artes visuais, da pintura ao
cinema”.
4) A tecnologia conspirou para tornar mais grave a situação das orquestras.
Apesar da crise atual da indústria fonográfica, o CD ainda é um formato
estável e praticamente indestrutível de estocagem de gravações. Isso sem
contar a pirataria digital e os downloads... “As técnicas de gravação
evoluirão, mas não reviveremos a era das gravações de orquestras. Qualquer
um que pode ir a um concerto tem à sua disposição dezenas de gravações. E os
maestros? Eles saem desesperados em busca da originalidade, quase sempre de
modo forçado.”
5) “Os concertos devem ter curadoria, como os museus. Nenhum museu coloca Da
Vinci ao lado de Mondrian e de uma obra nova de um jovem artista. O maestro
precisa ter uma explicação para as obras de um programa que vá além do ‘eu
quero’, ‘eu gosto’”.
Botstein anota que “a música clássica hoje parece exigir mais conhecimento
prévio do que realmente necessita”. E observa que “a ausência paralela de
expertise não desencoraja as pessoas de ir ao cinema, ao teatro, museus ou
galerias. Porém o ouvinte inteligente e ingênuo não é bem-vindo pelas
orquestras sinfônicas.” É claro que a música instrumental não é tão
acessível quanto as formas artísticas que utilizam palavras e imagens; ela
requer algum tipo de treinamento ou mediação. “Encontrar esta mediação é o
maior desafio de hoje. As soluções mais convenientes falharam – como as
tentativas de popularizar o repertório fatiando-o com truques de
entretenimento. O pior é o maestro que tenta fazer piadas com a platéia”.
Permanece sem solução o desafio de atrair platéias contemporâneas para um
ritual do século 19. Mas parte dela é o fato de que a música tem diante de
si hoje a maior e mais bem-educada platéia potencial em sua história, com
mais tempo de lazer, mais dinheiro disponível e maior expectativa de vida.
Estas são as realidades que o moderno maestro enfrenta, particularmente
quando assume a direção de uma orquestra.
Mas há milhares de orquestras em todo o mundo, e muitos aspirantes a
maestros. Como podem eles enfrentar este desafio? E no Brasil? Nunca, na
história do País, houve tantas orquestras como agora. Tomei um dos maiores
sustos da minha vida na semana passada, quando o IBGE divulgou pesquisa
sobre cultura no Brasil e anunciou que possuímos mais orquestras do que
escolas de samba: 638 sinfônicas contra 632 sociedades recreativas. Onde
estão estas orquestras? São orquestras mesmo? E os seus maestros e músicos?
Quem são, aonde se escondem? Mágica? Cartas e e-mails para a redação ou para
jmcoelho@terra.com.br.

sinfonia do patrocínio, por joão luiz sampaio

Ele é um senhor de aparência pacata, fala tranqüila; pode discorrer horas sobre sua preciosa coleção de LPs e CDs, em especial sobre o xodó especial que tem com coletâneas de árias de óperas, colhidas ao longo de seus 65 anos. Mas Henry Fogel é também presidente da Liga das Orquestras Americanas – e, nessa posição, viaja o mundo discutindo a situação das sinfônicas em palestras, seminários e textos colocados diariamente em seu blog. E, aí, o mesmo tom tranqüilo ele emprega na hora de advogar pela necessidade de modernização dos conjuntos sinfônicos e suas estruturas, abraçando novas tecnologias e desenvolvendo uma relação profissional com patrocinadores. Fogel esteve no Brasil na semana passada, visitando a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, que recebeu o certificado de membro internacional da liga. Com um currículo que inclui postos importante, como o de diretor-assistente da Filarmônica de Nova York e de diretor-executivo da Sinfônica de Chicago, duas das maiores orquestras do mundo, ele é figura privilegiada no cenário musical. Fala de experiência própria sobre patrocínio, sobre a busca por novas platéias e defende radicalmente a necessidade das orquestras de abandonarem uma postura passiva e entrarem de cabeça no mercado em busca de dinheiro e legitimação. “Não dá para ficar parado dizendo: ‘Somos maravilhosos, dê-nos dinheiro.’ Isso é passado”, diz ele em entrevista exclusiva ao Estado, concedida entre reuniões na Sala São Paulo. Quem faz parte da Liga das Orquestras Sinfônicas Americanas? Temos cerca de mil membros, que pagam uma taxa de manutenção, desde a mais complexa das instituições, como as sinfônicas de Boston ou Chicago, até grupos amadores de pequenas comunidades. E qual a área de atuação da liga? Temos quatro áreas em que atuamos. A primeira delas diz respeito ao treinamento profissional, que tem como alvo jovens administradores e diretores de marketing, que passam por nossos programas de treinamento, sejam cursos rápidos de alguns dias, sejam os mais longos, que duram um ano; os atuais diretores das orquestras de Houston, Atlanta, Detroit e Dallas se formaram em nossos cursos. Em segundo lugar, somos um veículo de comunicação. Os EUA são tão grandes e as orquestras tão diversas que uma não sabe o que a outra está fazendo. Então, se uma orquestra do interior do Minnesota tem uma boa idéia que pode ser aproveitada por outros grupos, nós a divulgamos e promovemos esse contato. Também atuamos junto ao governo, sempre trabalhando para maximizar o investimento e questionando políticas culturais. E, por fim, mantemos um programa atualizado de pesquisas e inventários sobre a vida musical americana, em especial no que diz respeito a números e modelos de gestão. Se descobrimos que a média das orquestras consegue 35% de seu dinheiro com a venda de ingressos, esse número pode ser usado como ponto de referências para as orquestras, claro, levando algumas diferenças em consideração, como o orçamento. A Sinfônica de Boston, por exemplo, tem um orçamento descomunal, que foge à regra, mas é preciso ter em mente que eles são a única orquestra americana dona de um teatro onde passam o verão, no interior, e que, portanto, são os únicos a terem jardineiros e caseiros em sua folha de pagamentos. Qual o objetivo da visita ao Brasil? Nosso principal tema diz respeito ao financiamento. A Osesp é bancada em grande parte pelo Estado. E o governo já deixou claro que espera que essa proporção diminua consideravelmente. Isso exige uma reorganização na qual a experiência americana, no que diz respeito ao patrocínio privado, pode ser bastante útil. O sr. fala no modelo americano de financiamento, bastante apoiado na iniciativa privada. No Brasil, há uma longa tradição de investimento estatal. Ela começa a se inverter, mas me parece que as empresas estão ainda apenas interessadas em apoiar projetos pontuais e não projetos consistente de longo prazo. E isso, para uma instituição cultural, é nocivo. Qual seria a relação ideal entre orquestras e patrocinadores? Ela não surge de uma hora para outra. E precisa começar gradualmente. É preciso entender que não estou falando de 2, de 5 anos, mas, sim, de 10, 20 anos. Como começar? É incrivelmente difícil. Mas um bom ponto de partida é encontrar líderes, indivíduos ou corporações, dispostos a dar os primeiros passos. Uma possibilidade é ir atrás de filiais de empresas americanas, onde já existe essa tradição. Mas não há respostas fáceis. A Europa vive o mesmo impasse. Há três anos estive em Berlim a convite da Staatsoper que, após décadas de apoio estatal, está começando a se perguntar como encontrar maneiras de depender menos do governo. As orquestras precisam entender uma coisa, isso é fundamental: não dá para ficar parado, dizendo ‘Somos maravilhosos, dê-nos dinheiro’. Isso é passado. O que precisamos é criar projetos consistentes, saber convencer o patrocinador de que podemos ser bons para eles e não ter pudor de perguntar: o que podemos fazer por vocês? É preciso criar limites, claro, mas também manter a cabeça aberta. Há um motivo pelo qual o departamento responsável por conseguir dinheiro se chama “Departamento de Desenvolvimento”. Não é apenas porque soa mais bonito, é porque é disso mesmo que estamos falando, de desenvolver uma relação entre empresa e orquestra. Nos últimos anos, no entanto, orquestras americanas passaram por situações complicada, algumas delas ameaçaram fechar as portas por falta de dinheiro e também por conta da diminuição do público. Houve um momento muito ruim entre 2001 e 2005, por conta da situação econômica do país e do 11 de Setembro. Em março de 2001, a economia americana começou a decair rapidamente. E, seis meses depois, vieram os ataques terroristas. Uma situação que já não era boa ficou pior. O 11/9 afetou a psique do americano, que passou a sair menos de casa. E as empresas, que já estavam repensando os investimentos, desviaram suas verbas para projetos assistenciais. Mas os números não são tão assustadores. Entre 2001 e 2005, apenas 10 orquestras, das 400 profissionais em atividade no país, fecharam suas portas. E, dessas 10, 7 já voltaram a funcionar. Hoje, 75% das sinfônicas americanas fecham os anos com balanço equilibrado ou levemente deficitário. No que diz respeito ao público, não há realmente dados confiáveis. O público está envelhecendo? Sim. Tenho em meu escritório um artigo da revista Stereo Review que mostra como as platéias estão mais velhas e faz uma previsão assustadora: em 15 anos, uma grande porcentagem das nossas principais orquestras precisará fechar as portas por conta disso. Apenas um detalhe: o artigo é de 1962! Desde que comecei a trabalhar neste mercado, ouço essa conversa. Claro, há questões que precisam ser discutidas e já estamos conduzindo pesquisas sobre o tema. Mas não acreditamos que seja um problema tão grave assim. O modelo das leis de incentivo, em que o patrocinador desconta o dinheiro investido do imposto a ser pago, é o ideal? Sim, temos o mesmo modelo nos EUA. Mas vamos além, em direção ao patrocínio de pessoa física também. O Brasil precisa transformar o consumidor de cultura em patrocinador, fazer com que o cara que vai assistir a um concerto também ajude a manter a orquestra, dentro de suas possibilidades, claro. Se o Brasil quer consolidar relações de patrocínio privado, precisa investir nas leis já existentes e criar novos mecanismos similares. Não há alternativa. As novas tecnologias nos forçaram a repensar o mercado musical em direção a uma modernidade tida como inevitável. As orquestras estão prontas para isso? Não, mas estão começando a ficar. Demoramos demais, é verdade. No que diz respeito aos downloads, houve uma série de questões trabalhistas que só agora começa a ser resolvida com os sindicatos de músicos. Dos anos 50 aos anos 90, gravar era uma fonte de renda gigantesca para orquestras e seus músicos. E eles demoraram para entender que, no mercado atual, não vai ser mais assim. E que, de qualquer forma, não dá para ficar fora dele. Enfim, o processo já começou, sinfônicas como a de Milwaukee já colocam todos os seus concertos em seu site. Como parte da liga, nossa função é provocar e estimular iniciativas assim.

domingo, 29 de julho de 2007

150 anos da ópera nacional, por adriana pavlova

Houve um tempo em que óperas cantadas em português e com temas inteiramente nacionais não eram artigo raro por aqui. Era uma época em que a capital do país tentava descobrir a sua vocação cultural, embalada por uma monarquia tropical que não queria e nem podia fazer feio diante das cortes européias. Assim, há exatamente 150 anos, nascia na Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro a Imperial Academia de Música & Ópera Nacional, uma companhia de ópera cujo objetivo era promover não só os talentos nacionais do canto lírico com também incentivar uma cena à brasileira. Tudo com o apoio do imperador D. Pedro II.

No pouco tempo em que funcionou, a Imperial Academia de Música & Ópera Nacional fez história. Sob sua égide foi encenada A noite de São João, tida como a primeira ópera brasileira, que contava com libreto de José de Alencar e música de Elias Álvares Lobo. Também foi nas coxias da companhia que Carlos Gomes atuou como ensaiador de cantores e maestro até chegar a ser convidado para escrever duas obras para o grupo - A noite do castelo e Joanna de Flandres, seus únicos títulos em português. De 1857 a 1864, ano de seu término, a companhia foi palco de muitas estréias nacionais, sempre envolvendo grandes nomes da cena cultural daquela época, de Machado de Assis a Joaquim Manuel de Macedo, Quintino Bocayuva a Manuel Antonio de Almeida. De lá para cá, pelo que se sabe, nunca houve uma outra iniciativa que incentivasse da mesma forma uma cena lírica inteiramente nacional.

“Depois dela, uma companhia que se dedicasse estritamente ao repertório nacional não mais existiu”, garante o diretor de óperas e pesquisador André Heller, que atualmente se debruça sobre a trajetória da Imperial Academia de Música & Ópera Nacional, tema de sua tese de doutorado no King’s College de Londres. “Existiram óperas nacionais, grande cantores nacionais, o famoso “Quadro nacional”, que ocupou grande parte das temporadas dos teatros municipais de Rio e São Paulo em meados do século passado, mas um grupo patrocinado pelo governo para criar óperas nacionais não houve.”


Apesar do nome, a Imperial Academia de Música & Ópera Nacional surgiu com um belo empurrão de um espanhol, o empresário Don José De Zapata Y Amat, que esteve à frente do projeto desde o início, tendo influenciado também na escolha de repertório. Como bom espanhol, Amat investiu pesado em versões brasileiras das zarzuelas, justamente por causa do sucesso delas na Espanha, onde eram uma mina de ouro. Também existiam títulos italianos, que, assim como as zarzuelas e as óperas bufas, ganharam traduções à brasileira de pesos pesados como Machado de Assis ou Joaquim Manuel de Macedo. Bodas de dona Joaninha foi o nome dado a Las Bodas de Juanita, enquanto Eran due, son tre virou As colisões do senhor ministro. A companhia sobreviveu e fez sucesso apresentando-se em cinco teatros diferentes (Ginásio, Lírico Provisório, São Pedro de Alcântara e São Januário, todos no Centro do Rio, e ainda no Santa Tereza, em Niterói) e baseando seu repertório até 1860 nestas traduções e em outras mais, como as de Norma e La Traviata em português.


A feição ainda mais brasileira do projeto nacional de ópera ganharia fôlego com a estréia de A noite de São João, em 14 de dezembro de 1860, no Teatro São Pedro. Foi a primeira ópera de autores brasileiros, com assunto tipicamente nacional, com libreto em língua portuguesa cantada em português de que se tem notícia por aqui.

“A temática era brasileira, porque tratava-se de uma história de amor em estilo bufo que se passava durante uma noite de São João e por isso mesmo era cheia de referências ao folclore brasileiro”, explica o maestro e pesquisador paulista Marcos Júlio Sergl, cujas teses de mestrado e doutorado versam sobre o tema. “A obra foi tão bem recebida que teve mais duas récitas imediatamente e depois, ao longo do ano seguinte, foi reapresentada em mais duas ocasiões. O sucesso estimulou novos compositores a criarem peças inteiramente brasileiras e deu início ao processo de reconhecimento dos autores nacionais. Logo depois dela, Carlos Gomes, que foi o maestro de A noite de São João, também compôs sua primeira ópera. A idéia foi tão bem-sucedida que D. Pedro II passou a apoiar os compositores e até concedeu uma bolsa de estudos para que Gomes estudasse na Europa.”


A partir daí, vários títulos totalmente nacionais – com música e enredo falando daqui – se revezaram nas encenações da Imperial Academia, até o fim do grupo, em meados de 1864. Houve, entre outras, Moema e Paraguassu, de Sangiorgi, com libreto de Bonifácio de Abreu, e Aurora do Ypiranga, com libreto de José Manuel de Macedo. No entanto, na opinião da professora de história da música Cristina Magaldi, da Universidade de Towson, Maryland, nos EUA, esta produção musical tão intensa num curto espaço de tempo não se traduziu exatamente num estilo de ópera brasileira e sim numa ópera à brasileira:

“Quando a Ópera Nacional foi fundada, ela tinha como objetivo a criação de uma escola para produzir ópera no Brasil, o que é bem diferente de uma instituição para produzir ópera brasileira. Para os brasileiros da classe alta no século19, ter a capacidade de produzir óperas com cantores, maquinarias, atores, palco, orquestra e compositores locais (não necessariamente brasileiros) era um privilégio, uma maneira de colocar o Brasil na mesma altura da Europa. De certa forma, isto pode ser visto como um orgulho nacional, mas não como um produto musical "brasileiro" como foi definido pelos nacionalistas no século 20.”

A decadência da Imperial Academia de Música & Ópera Nacional começaria com a sua fusão com uma companhia de ópera italiana, em 1861. Daí para a frente, já sem a presença de Amat, a companhia foi definhando até desaparecer por completo.

“A trajetória da Ópera Nacional foi bem sucedida e ela existiu – e resistiu – gloriosamente até cerca de1864, quando os ventos da Guerra do Paraguai começaram a varrer as finanças nacionais, e uma malfadada fusão entre as companhias líricas italiana e nacional condenou os artistas brasileiros a um papel secundário”, afirma Heller. “Depois do quase fracasso da segunda ópera de Gomes, Joanna de Flandres, pouco havia o que fazer. Na noite do dia 24 de outubro de 1863, quando a cortina do teatro fechou-se ao final de O vagabundo, de Henrique Alves de Mesquita, chegava ao fim muito mais do que uma simples “noite na ópera”.”

Hoje, são raríssimas as vezes em que é possível assistir a uma ópera composta por um autor brasileiro, com libreto feito aqui. Simplesmente as óperas brasileiras não entram em cartaz, salvo algumas raras exceções. São projetos com o do maestro Jamil Maluf, que à frente do Theatro Municipal de São Paulo conseguiu apresentar ali, em 2005 e 2006, duas produções totalmente nacionais, incluindo uma estréia mundial: Olga, de Jorge Antunes, que teve cinco récitas lotadas, muito embora sua música contemporânea não fosse das mais fáceis. Maluf lembra que ao convidar Antunes para a empreitada, nem o próprio compositor acreditou no convite, já que há anos buscava algum teatro que se dispusesse a encenar a história da líder comunista companheira de Luiz Carlos Prestes.

“É o drama do compositor brasileiro, mas também o drama do compositor de óperas em todo o mundo, que sofre para ver sua obra em cena”, afirma o maestro. “Infelizmente, na sociedade de consumo, a música erudita só consegue lugar quando apresenta obras consagradas. E esta realidade é ainda mais cruel quando se trata de ópera porque os custos são altíssimos. Não se faz uma montagem hoje no Brasil por menos de R$ 600 mil. Além disso, por falta de costume, há muito preconceito com a ópera brasileira por parte do público.”

Maluf lembra ainda que outro fator complicador para a encenação de óperas brasileiras é a falta de partituras em bom estado. Muitas vezes, segundo ele, a direção de uma casa de ópera até pode vir a se interessar por um título, mas diante das dificuldades de apresentá-lo por falta de material técnico, a tendência é optar por uma obra estrangeira conhecida.

“Há cerca de 30 anos houve um boom mundial das óperas de Rossini porque o governo italiano, incentivado pelo maestro Claudio Abbado, decidiu editar as óperas do compositor. Com o material à disposição, as casas de ópera de todo o mundo começaram a se interessar em encená-las. É isto que falta no Brasil: alguém ou alguma instituição que edite nossas óperas”, diz Maluf, que este ano não apresentará nenhuma ópera brasileira no Municipal por causa de uma obra no teatro mas que garante já ter dois títulos nacionais na manga para 2008.

Se Maluf é mais cético diante do panorama operístico nacional, um representante da ala dos compositores, o carioca João Guilherme Ripper (atualmente à frente da Sala Cecília Meireles, no Rio), é bem mais otimista. Autor de duas óperas já encenadas, Domitila e Anjo Negro, e de outra inédita (Augusto Matraga), ele acredita que hoje é possível apostar em óperas menores, que funcionam em palcos mais exíguos e que, portanto, são mais práticas e mais fáceis de sair da partitura. Ripper cita como exemplo Domitila, uma pocket opera com apenas uma cantora em cena e quatro músicos, que trata das cartas de amor entre D. Pedro I e a Marquesa de Santos, premiada com o prêmio da Associação Paulista de Críticos de Artes em 2001.

“Trata-se de uma ópera versátil, que pode ser apresentada em palcos menores, o que facilita a sua circulação”, diz Ripper. Domitila já foi apresentada no Rio, em São Paulo, em Petrópolis e também em formato de concerto. Se fosse uma ópera maior, estaria restrita a cinco ou seis teatros do país. Hoje espaços como o Centro Cultural Banco do Brasil do Rio ou de São Paulo são locais que também apresentam óperas, algo que não acontecia antes.”


Ripper, sempre de forma otimista, ainda lista outra vantagem da ópera brasileira contemporânea em relação às composições do passado. Segundo ele, hoje o compositor de ópera transita muito mais livremente por diferentes tipos de música, podendo se utilizar deles em suas peças:

“Não é mais uma linguagem única. São 400 anos de ópera que se traduzem em cena em diferentes possibilidades musicais, num ecletismo que vai da música serial ao samba. Tudo a serviço da história que se quer contar.”

Que venham mais 150 anos.

sábado, 30 de junho de 2007

antologia pessoal - edelton gloeden

Que peça você mais ouve? Que peça ficou melhor com o tempo?
Depende do momento. Sou um ouvinte compulsivo. No dia-a-dia, e quando há registros, procuro concentrar-me na audição dos compositores que estou estudando e nas suas obras para outros instrumentos e formações. Para nós violonistas isto é imprescindível, pois o repertório para o instrumento é, em sua maior parte, de autores pouco conhecidos do grande público. Além de obras para violão, ouço desde música medieval até os autores contemporâneos. Citar uma só obra que ficou melhor com o tempo? Seria muito mais fácil fazer uma lista de dez páginas. Não tendo esta opção, cito agora o Quarteto de cordas em la menor, Op. 132 de Beethoven.

Dê exemplo de um bom compositor injustiçado.
Vários dos grandes compositores foram injustiçados em seu tempo: J.S.Bach, Mozart, e poderíamos apontar os casos de Prokofiev e Shostakovich, perseguidos pelo regime soviético, o e Hindemith, desprezado pelas avant-gardes do pós-guerra, e o de Schoenberg, sempre muito polemizado e ainda pouco executado. Cite uma peça que frustrou suas melhores expectativas. Invocação em Defesa da Pátria de Heitor Villa-Lobos.

E um compositor surpreendente, ou seja, bom e pelo qual você não dava nada.
Carlos Gomes

Música para cinema é um gênero menor?
Não, não é. Duas obras estupendas: Alexander Nevsky de Sergei Prokofiev para o filme de Eisenstein, e O Descobrimento do Brasil de Villa-Lobos, para o filme de Humberto Mauro.

Cite uma obra chata, mas boa.
Acredito que opinar sobre gosto pessoal pode ser uma contradição, pois aquilo que achamos “chato” hoje eventualmente poderemos apreciar no futuro, e o contrário também pode acontecer. Para mim, Carmina Burana de Carl Orff é um bom exemplo de uma música bem construída, com texto exuberante, que me causou uma forte impressão inicial, mas que a cada audição o interesse diminui.

Um compositor que você acha muito bom, mas nunca ouviu.
Só posso responder que há sempre muito o que ouvir.

Uma obra difícil, mas indispensável.
Spem in Alium, o moteto a 40 vozes de Thomas Tallis.

De que ópera você mudaria o final? Por quê?
O Don Carlo de Verdi. Porque o desfecho é totalmente forçado, acontecendo justamente no ponto crucial do enredo.

A música contemporânea é muito criticada. Que peça (s) estreada (s) nos últimos dez anos mereceria, para você, um lugar na história da música?
Se a pergunta fosse para definir o que é a música contemporânea hoje, eu não saberia responder, principalmente na medida em que os quartetos de cordas de Leos Janácek, por exemplo, concluídos em 1928, soam para mim muito mais instigantes e atuais do que as obras de Philip Glass. Nos últimos dez anos, tenho me concentrado mais no passado recente, e aprendendo muito ouvindo obras como a Iberia de Albéniz, os Nocturnes de Fauré, a obra para órgão de Messiaen, o Requiem de Hans Werner Henze, a Lachrimae de Benjamin Britten, o Maracatú de Chico Rei de Mignone, enfim, música de alta qualidade.

De que compositor brasileiro, de qualquer tempo, você recomendaria a audição?
Heitor Villa-Lobos.

Que obras (brasileiras ou estrangeiras) sempre presentes nos cânones não mereceriam seu voto?
As duas mencionadas acima, Carmina Burana e Invocação em Defesa da Pátria.

E uma sempre ausente em que você votaria?
A música de câmara de Henrique Oswald.

Música sinfônica ou ópera?
Ambas.

Verdi ou Wagner?
Ambos. Verdi e seus personagens humanos e Wagner com a mitologia.

Tchaikovsky ou Schoenberg?
Ambos. Cada um em seu tempo e espaço, tendo em comum o domínio pleno da técnica.

Callas ou Tebaldi?
Ambas. Em seus melhores momentos, Callas corre todos os riscos em favor da emoção, e Tebaldi com a beleza da linha vocal e o pleno domínio técnico.

Plácido Domingo ou Pavarotti?
Em ópera, nos papéis adequados, ambos.

Glenn Gould ou Maurizio Pollini?
Ambos. Glenn Gould, excêntrico e contestador da tradição e dos rituais da carreira, uma figura única, e Pollini como representante da tradição levada adiante com suas leituras precisas, apresentando e explorando repertórios inusitados. Neste último ítem, um ponto em comum: repertórios que não fazem parte dos holofotes da oficialidade. Gould, por exemplo, revelando os virginalistas ingleses, os compositores canadenses, as obras de Hindemith e Krenek, e Pollini com as obras de Boulez, Nono, Stockhausen e Manzoni.

Herbert Von Karajan ou Pierre Boulez?
Ambos. Logicamente, cada um dentro de seu universo específico.

Que virtude mais preza na boa música?
O equilíbrio entre razão e imaginação.

E quais os defeitos que obrigatoriamente devem estar ausentes em uma grande peça?
Se possível, todos.

quarta-feira, 27 de junho de 2007

a italiana em argel, por lauro machado coelho

A gesticulação estilizada, o uso de elementos coreográficos associados ao desempenho dos atores, a exploração de gags que partem de situações oferecidas pelo texto conjugaram-se para tornar muita viva e divertida a concepção cênica que Hugo Possolo ofereceu de A Italiana em Argel, a ópera cômica de Gioachino Rossini que estreou sábado no Teatro Municipal.
Há momentos, sem dúvida alguma, em que o abuso de ingredientes histriônicos rema contra a maré, pois eles distraem a atenção do público daquilo que deve ser o centro do espetáculo: a interpretação dos cantores. E há um ou outro traço dispensável – fazer dos eunucos do serralho um bando de drag-queens, por exemplo – por ser de gosto discutível.
Mas isso não chega a alterar a fluência e o potencial de comunicabilidade dessa Italiana in Algeri, um espetáculo muito bem dirigido, que se apóia nos coloridos cenários de Luís Frúgoli – a que não falta a alusão moderna: o elefante coroado por uma torre de petróleo, referência a um lado perverso das relações do Ocidente com o Oriente – e nos bonitos figurinos de Cássio Brasil, com bons achados: a silhueta caricatural do bey Mustafá; as transformações na indumentária de Taddeo, quando ele vai receber o título de “Kaimakan”; ou de Isabella, quando ela se paramenta para receber o bey. No conjunto, é uma montagem que respeita a natureza específica da ópera buffa, e funciona pela vivacidade rítmica e o bem integrado desempenho de seu elenco.
Físico do papel e adequação vocal se conjugaram para que a Isabella de Luisa Francesconi fosse elegante e feminina mas, ao mesmo tempo, com a dose certa de malícia e determinação, para manipular tanto o bey quanto Taddeo, seu azarado pretendente. Talvez fosse necessário um pouco mais de energia no rondó “Pensa alla patria”, do segundo ato (embora isso se deva, talvez, mais à opção da regência); mas a mistura de melodia lânguida e coloratura vertiginosa de “Cruda sorte... Già so per pratica”, a ária di sortita da personagem, demonstra que Francesconi terá, no decorrer da temporada, condições de fazer da protagonista uma composição bem trabalhada.
Boa surpresa foi o timbre delicado de André Vidal. De voz pequena mas de ótimo polimento, ele é um típico tenore di grazia, muito à vontade no repertório belcantístico, pela leveza e a facilidade demonstrada na ornamentação. Foi muito satisfatório o seu rendimento tanto nas árias – em especial “Languir per una bella... Contento quest’alma”, do primeiro ato – quanto nas cenas de conjunto. Outro tanto se pode dizer de Denise Tavares embora, em determinados momentos, pareça faltar à sua Elvira um pouco mais de presença vocal.
Os extremos graves da tessitura e as exigências de agilidade no silabato apresentam, para Stephen Bronk, dificuldades que não podem ser ignoradas; mas que ele supera com a opulência de um registro de belos colorido, e com um talento cênico que, para quem está acostumado a vê-lo em papéis sérios, demonstra-se agora ser igualmente desenvolto em partes cômicas. O preciso equilíbrio na corda bamba da caricatura fez de seu Mustafá – e com toda justiça – o merecedor da salva de aplausos mais estrondosa, nos cumprimentos finais.
Para quem, no sábado, estava visivelmente indisposto, foi apreciável o desempenho de Douglas Hahn como Taddeo. Apesar de problemas evidentes no primeiro ato – no final do dueto “Ai capricci della sorte”, por exemplo – sua participação, no segundo, foi bem mais equilibrada; e tudo indica que, nas demais récitas, ele poderá mostrar, da personagem, a sua melhor face. Tanto Edinéia de Oliveira (Zulma) quanto José Galisa (Haly) investiram, em suas personagens de apoio, a costumeira classe e experiência.
A preferência de Jamil Maluf por andamentos mais pausados, embora isso contrarie às vezes a exuberância característica da música de Rossini, talvez se explique pela preocupação em oferecer aos cantores condições mais confortáveis de articulação e emissão, sobretudo nas elaboradas cenas de conjunto. Mas, na realidade, a opção pelo pianissimo nas passagens intermediárias do septeto “Confusi e stupidi” fez esse hilariante finale do primeiro ato perder um pouco de seu brilho. Ainda assim, à frente da Experimental de Repertório que, à exceção de alguns desacertos nos metais – o solo de trompa na entrada de “Languir per una bella”, por exemplo – teve um bom desempenho, Maluf foi capaz de garantir ao espetáculo um ritmo estável.

domingo, 24 de junho de 2007

brasília - temporada 2007

1. March 13
Wagner: Die Meistersinger overture
Villa-Lobos: Uirapuru
Mahler: Symphony # 1
2. March 20
Dvorak: Carnival overture opus 92
Haydn: Symphony # 104
Ravel: Piano Concerto for the left hand (Joel Bello Soares)
Stravinsky: Firebird suite (1919)
3. March 27
Mozart: Piano Concerto # 25 K. 503 (Ira Levin)
Berlioz: Symphonie Fantastique opus 14
4. April 1
Wagner: Die Meistersinger overture
Hindemith: Trauermusik
Bruch: Kol Nidrei
Berlioz: Symphonie Fantastique opus 14
5. April 10
Guarnieri: Three Dances: Brazilian Dance / Negro Dance / Savage Dance
Guarnieri: Choros for cello (del Claro)
Schubert: Symphony # 9 “Great” D. 944
6. April 17
(regente: Erich Lehninger)
Grieg: Holberg suite opus 40
G. Bauer: Cadencias para piano e orquestra (Midori Maeshiro)
Sibelius: Rakastava opus 14
Haydn: Symphony # 85 “la Reine”
7. May 1 worker’s day
(regente: Mateus Araujo)
Gomes: Guarany overture
Guarnieri-Paulinyi: Ponteios
Morais: Brasilia
Nepomucemo: Serie Brasileira
Waldemar Henrique arr. Mignone: Boi Bumba
Araujo: Semana do Presidente
8. May 8
(regente: Alex Klein)
Guarnieri: Symphony # 6
Mozart: Oboe Concerto (Alex Klein)
Mendelssohn: Symphony # 5 opus 105 “Reformation”
9. May 15
(regente: Roberto Tibirica)
Villa-Lobos: Bachianas Brasileiras # 9
Mozart: Horn Concerto # 2 K. 417 (Stan OSTNCS)
Dvorak: Symphony # 8 opus 88
10. May 22
(regente: Elena Herrera)
Turina: Procession
Chavez: Sinfonia India
De Falla: Three-Cornered Hat
Villa-Lobos: Bachianas Brasileiras # 8
11. May 29
Prado: Variations for orchestra
Tchaikovsky: Violin Concerto opus 35 (Fanny Clamagirand)
Elgar: Enigma Variations opus 36
12. June 5
Mozart: Symphony # 41 „Jupiter“
Mahler: Kindertotenlieder (Denise de Freitas)
R. Strauss: Tod und Verklaerung opus 24
13. June 12
Prokofiev: Violin Concerto # 2 (Daniel Guedes)
Shostakovich: Symphony # 10
14. June 19
Haydn: Symphony # 82 “Urso”
Francaix: Divertissement for bassoon and string orchestra (Harry Schweizer)
Tchaikovsky: Symphony # 4 opus 36
15. June 26
Mendelssohn: Hebrides overture
Elgar: Cello Concerto opus 85 (Antonio Meneses)
Brahms: Symphony # 1 opus 68
16. July 3 concert for Portugal’s presidency of the EU
Braga Santos: overture
Prokofiev: Violin Concerto # 1 opus 19 (Claudio Cruz)
Brahms: Symphony # 1 opus 68
17. July 10
Berlioz: Hungarian March from “Damnation de Faust”
Rosza: Double Concerto for violin and cello (Pablo de Leon, Raiff Dantas)
Nielsen: Symphony # 4 opus 29 “Inextinguishable”
18. July 19 (Campos de Jordao)
Haydn: Symphony # 82 “Urso”
Hummel: Trumpet Concerto (Alison Balsom)
Guarnieri: Negro Dance (Danca Negra)
Nielsen: Symphony # 4 opus 29
June 29 Ballet Fesitval (Gisele Santoro)
Tchaikovsky: The Nutcracker act 2
19. August 7
Rachmaninoff: Piano Concerto # 1 opus 1 (Jean Louis Steuermann)
Bruckner: Symphony # 4
10. August 14
(regente: Roberto Duarte)
Peixe: Museu da Inconfidencia
Assad-Piazolla: Verno Porteno
Assad: Concerto fro two guitars (Assad brothers)
Santoro: Symphony # 11
21. August 28
(regente: Alastair Willis)
R. Strauss: Serenade for Winds opus 7
Vaughan-Williams: A Lark Ascending (Haratoun Bedelian)
Elgar: Introduction and Allegro opus 47 (guest quartet, Bedelian, David Chew and friends)
Schumann: Symphony # 3 opus 97 “Rhenish”
22. September 4
Beethoven: Coriolan overture opus 60
Beethoven: Piano Concerto # 4 opus 56 (Maria Joao Pires)
Sibelius: Symphony # 1 opus 39
23. September 11
(regente: Sidney Harth)
Ravel: ma mere l’oye
Liszt: Piano Concerto # 2 (Gilberto Tinetti)
Beethoven: Symphony # 7
24. September 18
Villa-Lobos: Choros # 10 (?)
Jobim: Sinfonia Alvorada
Milton Nascimento
25. September 25
Shostakovich: Violin Concerto # 1 opus 99 (Nicolas Koeckert)
Martinu: Symphony # 1
26. October 2
(regente: Luis Gustavo Petri)
Braga: Episodio Sinfonico
Saint-Saens: Piano Concerto # 5 opus 103 “Egyptian” (Ana Claudia Brito)
Chausson: Symphony in Bb opus 20
27. October 9
Brahms: Piano Concerto # 2 opus 83 (Nelson Freire)
Sibelius: Symphony # 5 opus 82
28. October 23, 24 “ Faust in Music” lancamento
Wagner: A Faust Overture
Liszt: A Faust Symphony (Howard Haskin and male chorus )
29: October 30, 31
Wagner gala (Howard Haskin, Graciela Araya, Eiko Senda)
Parsifal: Act 1/ Prelude
Act 2 / Prelude and Kundry/Parsifal duet
Die Walkuere / act 1 scene 3 Sieglinde/Siegmund
30. November 13
(regente: John Neschling)
Barber: Adagio for Strings opus 11
Mignone: Festa nas Igrejas
Tchaikovsky: Symphony # 1 “Winter Dreams” opus 13
32: November 21
Brasilia Film Festival concert
33. December 4
Bizet: Symphony in C
Britten: Les Illuminations opus 18 (Daniella Carvalho)
Schmitt: Le Tragedie de Salome opus 50 (Daniella Carvalho)
34. December 11 & 12
Bach: Cantata # 82 “Ich habe genug” (Leonardo Nevia)
Mahler: Symphony # 5
+ Concerts in Satellite cities, Chamber music series
Concerts conducted by Ira Levin unless otherwise indicated

sábado, 23 de junho de 2007

yo-yo ma, por lauro machado coelho

A simplicidade desadornada da escrita de Schubert exige do executante o que há de mais difícil: uma técnica excepcional posta a serviço não da exibição de virtuosismo, mas de fazer música. Foi o que demonstrou Yo-Yo Ma com a interpretação da Sonata em lá menor D. 821, originalmente concebida para uma espécie de guitarra-violoncelo, hoje obsoleta, que tinha o nome de arpeggione. O sabor popular, descontraído da peça foi perfeitamente traduzido pelo solista e sua acompanhadora, Kathryn Stott, cujo piano mostrou-se perfeitamente à altura do nível de Yo-Yo Ma, tanto no Allegro moderato quanto no Allegretto em forma de rondó, cujos episódios exploram todas as possibilidades do instrumento. Mas foi sobretudo na canção sem palavras do Adagio que a espontaneidade do legato mostrou o violoncelista plenamente capaz de explorar toda a pudica poesia de Schubert.
O momento mais espetacular do recital veio em seguida, com a Sonata em ré menor op. 40, uma das peças mais pessoais de Dmitri Shostakóvitch, fruto de um momento de crise pessoal, no final de 1934, nas suas relações com Nina, a sua mulher. E isso transparece na pulsação dos estados de espírito contrastantes, que se sucedem no Allegro ma non troppo inicial; e sobretudo no lirismo atormentado do Largo, no qual a técnica de pianíssimo de Yo-Yo Ma obteve efeitos de impressionante expressividade.
Contrastando com o clima emotivo desses movimentos, o Shostakóvitch irônico, provocador, explode nos ritmos angulosos, dançantes, do Allegro, que evoca a exuberância contemporânea do balé A Idade de Ouro. E chega a um clímax sarcástico no rondó do Allegro final, que põe à prova não só o solista: é diabólica a parte do piano, que Shostakóvitch, pianista excepcional, escreveu para si próprio – ele estreou a peça em 25 de dezembro de 1934, juntamente com Víktor Kubátski, a quem ela foi dedicada. Aqui, Kathryn Stott e Yo-Yo Ma uniram-se num grande momento de integração e equilíbrio na realização camerística.
Depois da intensidade desse Shostakóvitch, em que pese a excelência de sua execução, Le Grand Tango de Astor Piazzolla perdeu muito, parecendo demasiado longo e soando como um anticlímax. Fosse ele colocado na segunda parte, junto com o bonito arranjo de Bodas de Prata e Quatro Cantos, de Egberto Gismonti, e a força da partitura de Shostakóvitch, ponto mais alto da noite, o teria feito empalidecer menos.
Originalmente escrita para o violino, a Sonata em lá maior de César Franck, monumento da música de câmara romântica francesa, não tem, no violoncelo, o mesmo rendimento, sobretudo nas texturas mais agudas da escrita. Mas Yo-Yo Ma fez dela uma leitura absolutamente convincente, de uma melancolia outonal na declamação muito livre do Recitativo fantasia: ben moderato, de extrema ousadia formal. Mas, sobretudo, Stott e ele conferiram contornos muito enérgicos aos dois primeiros movimentos – em especial à inquietação apaixonada do segundo, Allegro, de ritmo ofegante – e, no Allegro poco mosso final, fizeram contrastar a elegância do refrão “dolce cantabile” com o brilho da coda. Depois disso, os três extras, culminando num Gershwin muito descontraído, foram a forma simpática de responder à reação efusiva da platéia.