segunda-feira, 24 de setembro de 2007
sinfonia do patrocínio, por joão luiz sampaio
Ele é um senhor de aparência pacata, fala tranqüila; pode discorrer horas sobre sua preciosa coleção de LPs e CDs, em especial sobre o xodó especial que tem com coletâneas de árias de óperas, colhidas ao longo de seus 65 anos. Mas Henry Fogel é também presidente da Liga das Orquestras Americanas – e, nessa posição, viaja o mundo discutindo a situação das sinfônicas em palestras, seminários e textos colocados diariamente em seu blog. E, aí, o mesmo tom tranqüilo ele emprega na hora de advogar pela necessidade de modernização dos conjuntos sinfônicos e suas estruturas, abraçando novas tecnologias e desenvolvendo uma relação profissional com patrocinadores. Fogel esteve no Brasil na semana passada, visitando a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, que recebeu o certificado de membro internacional da liga. Com um currículo que inclui postos importante, como o de diretor-assistente da Filarmônica de Nova York e de diretor-executivo da Sinfônica de Chicago, duas das maiores orquestras do mundo, ele é figura privilegiada no cenário musical. Fala de experiência própria sobre patrocínio, sobre a busca por novas platéias e defende radicalmente a necessidade das orquestras de abandonarem uma postura passiva e entrarem de cabeça no mercado em busca de dinheiro e legitimação. “Não dá para ficar parado dizendo: ‘Somos maravilhosos, dê-nos dinheiro.’ Isso é passado”, diz ele em entrevista exclusiva ao Estado, concedida entre reuniões na Sala São Paulo. Quem faz parte da Liga das Orquestras Sinfônicas Americanas? Temos cerca de mil membros, que pagam uma taxa de manutenção, desde a mais complexa das instituições, como as sinfônicas de Boston ou Chicago, até grupos amadores de pequenas comunidades. E qual a área de atuação da liga? Temos quatro áreas em que atuamos. A primeira delas diz respeito ao treinamento profissional, que tem como alvo jovens administradores e diretores de marketing, que passam por nossos programas de treinamento, sejam cursos rápidos de alguns dias, sejam os mais longos, que duram um ano; os atuais diretores das orquestras de Houston, Atlanta, Detroit e Dallas se formaram em nossos cursos. Em segundo lugar, somos um veículo de comunicação. Os EUA são tão grandes e as orquestras tão diversas que uma não sabe o que a outra está fazendo. Então, se uma orquestra do interior do Minnesota tem uma boa idéia que pode ser aproveitada por outros grupos, nós a divulgamos e promovemos esse contato. Também atuamos junto ao governo, sempre trabalhando para maximizar o investimento e questionando políticas culturais. E, por fim, mantemos um programa atualizado de pesquisas e inventários sobre a vida musical americana, em especial no que diz respeito a números e modelos de gestão. Se descobrimos que a média das orquestras consegue 35% de seu dinheiro com a venda de ingressos, esse número pode ser usado como ponto de referências para as orquestras, claro, levando algumas diferenças em consideração, como o orçamento. A Sinfônica de Boston, por exemplo, tem um orçamento descomunal, que foge à regra, mas é preciso ter em mente que eles são a única orquestra americana dona de um teatro onde passam o verão, no interior, e que, portanto, são os únicos a terem jardineiros e caseiros em sua folha de pagamentos. Qual o objetivo da visita ao Brasil? Nosso principal tema diz respeito ao financiamento. A Osesp é bancada em grande parte pelo Estado. E o governo já deixou claro que espera que essa proporção diminua consideravelmente. Isso exige uma reorganização na qual a experiência americana, no que diz respeito ao patrocínio privado, pode ser bastante útil. O sr. fala no modelo americano de financiamento, bastante apoiado na iniciativa privada. No Brasil, há uma longa tradição de investimento estatal. Ela começa a se inverter, mas me parece que as empresas estão ainda apenas interessadas em apoiar projetos pontuais e não projetos consistente de longo prazo. E isso, para uma instituição cultural, é nocivo. Qual seria a relação ideal entre orquestras e patrocinadores? Ela não surge de uma hora para outra. E precisa começar gradualmente. É preciso entender que não estou falando de 2, de 5 anos, mas, sim, de 10, 20 anos. Como começar? É incrivelmente difícil. Mas um bom ponto de partida é encontrar líderes, indivíduos ou corporações, dispostos a dar os primeiros passos. Uma possibilidade é ir atrás de filiais de empresas americanas, onde já existe essa tradição. Mas não há respostas fáceis. A Europa vive o mesmo impasse. Há três anos estive em Berlim a convite da Staatsoper que, após décadas de apoio estatal, está começando a se perguntar como encontrar maneiras de depender menos do governo. As orquestras precisam entender uma coisa, isso é fundamental: não dá para ficar parado, dizendo ‘Somos maravilhosos, dê-nos dinheiro’. Isso é passado. O que precisamos é criar projetos consistentes, saber convencer o patrocinador de que podemos ser bons para eles e não ter pudor de perguntar: o que podemos fazer por vocês? É preciso criar limites, claro, mas também manter a cabeça aberta. Há um motivo pelo qual o departamento responsável por conseguir dinheiro se chama “Departamento de Desenvolvimento”. Não é apenas porque soa mais bonito, é porque é disso mesmo que estamos falando, de desenvolver uma relação entre empresa e orquestra. Nos últimos anos, no entanto, orquestras americanas passaram por situações complicada, algumas delas ameaçaram fechar as portas por falta de dinheiro e também por conta da diminuição do público. Houve um momento muito ruim entre 2001 e 2005, por conta da situação econômica do país e do 11 de Setembro. Em março de 2001, a economia americana começou a decair rapidamente. E, seis meses depois, vieram os ataques terroristas. Uma situação que já não era boa ficou pior. O 11/9 afetou a psique do americano, que passou a sair menos de casa. E as empresas, que já estavam repensando os investimentos, desviaram suas verbas para projetos assistenciais. Mas os números não são tão assustadores. Entre 2001 e 2005, apenas 10 orquestras, das 400 profissionais em atividade no país, fecharam suas portas. E, dessas 10, 7 já voltaram a funcionar. Hoje, 75% das sinfônicas americanas fecham os anos com balanço equilibrado ou levemente deficitário. No que diz respeito ao público, não há realmente dados confiáveis. O público está envelhecendo? Sim. Tenho em meu escritório um artigo da revista Stereo Review que mostra como as platéias estão mais velhas e faz uma previsão assustadora: em 15 anos, uma grande porcentagem das nossas principais orquestras precisará fechar as portas por conta disso. Apenas um detalhe: o artigo é de 1962! Desde que comecei a trabalhar neste mercado, ouço essa conversa. Claro, há questões que precisam ser discutidas e já estamos conduzindo pesquisas sobre o tema. Mas não acreditamos que seja um problema tão grave assim. O modelo das leis de incentivo, em que o patrocinador desconta o dinheiro investido do imposto a ser pago, é o ideal? Sim, temos o mesmo modelo nos EUA. Mas vamos além, em direção ao patrocínio de pessoa física também. O Brasil precisa transformar o consumidor de cultura em patrocinador, fazer com que o cara que vai assistir a um concerto também ajude a manter a orquestra, dentro de suas possibilidades, claro. Se o Brasil quer consolidar relações de patrocínio privado, precisa investir nas leis já existentes e criar novos mecanismos similares. Não há alternativa. As novas tecnologias nos forçaram a repensar o mercado musical em direção a uma modernidade tida como inevitável. As orquestras estão prontas para isso? Não, mas estão começando a ficar. Demoramos demais, é verdade. No que diz respeito aos downloads, houve uma série de questões trabalhistas que só agora começa a ser resolvida com os sindicatos de músicos. Dos anos 50 aos anos 90, gravar era uma fonte de renda gigantesca para orquestras e seus músicos. E eles demoraram para entender que, no mercado atual, não vai ser mais assim. E que, de qualquer forma, não dá para ficar fora dele. Enfim, o processo já começou, sinfônicas como a de Milwaukee já colocam todos os seus concertos em seu site. Como parte da liga, nossa função é provocar e estimular iniciativas assim.
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