A pergunta sintetiza a maior angústia que cerca a vida musical de concertos
em todo o mundo – a alta faixa etária do público: como atrair novas e mais
jovens platéias? A resposta óbvia é injetar sangue novo no pódio, romper com
a dança das cadeiras que faz um troca-troca entre os poucos nomes estrelados
da regência e as maiores orquestras do planeta. É o que acabam de fazer duas
sinfônicas americanas ao indicar para seus pódios titulares dois jovens:
Alan Gilbert, 40 anos, assume a Filarmônica de Nova York na próxima
temporada; e o venezuelano-sensação da batuta, Gustavo Dudamel, 26 anos, faz
o mesmo com a Filarmônica de Los Angeles.
O fato é que público, crítica e profissionais ligados ao universo da música
clássica agem como viúvas das grandes superstars da regência, sentem um
banzo danado dos nomes que dominaram as orquestras no último século,
apoiados primeiro no rádio como instrumento de difusão e depois no disco.
Nomes reluzentes de “gênios” como Arturo Toscanini, Leopold Stokowski,
Wilhelm Furtwängler, e depois Herbert von Karajan e Leonard Bernstein. Ainda
há alguns remanescentes desta era: Kurt Masur, Lorin Maazel, Daniel
Barenboim, Sir Colin Davis.
O gesto das filarmônicas de Nova York e Los Angeles é simbólico. Ficaram
para trás os salários astronômicos por contratos onde as superstars
trabalhavam só oito ou dez semanas por ano. Daqui para a frente, tudo vai
ser diferente. O esquema industrial milionário das gravações em CDs + DVDs +
concertos que sustentava a indústria do disco e dos agentes de concertos com
cifras astronômicas é hoje mera lembrança. A Internet democratizou a relação
entre produtores e consumidores de música.
Os 26 anos de Dudamel ou os 40 de Gilbert não são grande novidade em si.
Stokowski tinha 33 quando assumiu a Orquestra da Filadélfia; Bernstein, 40,
e Zubin Mehta 42 ao assumirem Nova York. Mas eles atuaram segundo o modelo
estabelecido no século 19 por Arthur Nikisch, que concebeu a imagem do
maestro moderno, incluindo a carreira internacional, o culto à personalidade
e, claro, baldes de charme e carisma. O desafio agora é outro. Maestros
precisam se reinventar para sobreviver.
Até agora, a regra era: faça um bom trabalho, seja tirano e autocrático, que
todos reconhecerão sua importância. Isso não funciona mais. Deles se
esperava uma performance de super-herói. “E isso”, escreve o dublê de
maestro e musicólogo Leon Botstein, “destruiu a orquestra, tornando a
prática sinfônica uma profissão muito pouco musical. A fonte deste desastre
é que na cabeça do público o maestro é o grande e único responsável por uma
grande performance. A consolidação da regência como profissão legitimou
maneirismos e institucionalizou hábitos de autoridade que exacerbam as
naturais tensões entre os músicos e o maestro.”
Uma das sacadas de Botstein é que o maestro só sobrevive hoje quando se
legitima diante dos músicos por uma atividade que realiza fora do pódio. Os
exemplos são muitos: compositores como Mahler, Bernstein e André Previn;
pianistas como Daniel Barenboim e Christoph Eschenbach; e
maestros-pesquisadores especialistas na prática da música antiga. Dudamel se
legitima porque é garoto-propaganda do sistema venezuelano, um projeto de
educação musical que espanta o mundo; Gilbert, de outro lado, vai ter que
conviver com a sombra de um maestro convidado permanente, uma superstar
remanescente, o italiano Riccardo Muti.
Neste artigo precioso, intitulado “O futuro da regência” (publicado no
volume The Cambridge Companion to Conducting), Botstein, que também é
diretor do Bard College e da American Symphony Orchestra, lista os desafios
que os jovens maestros têm que enfrentar.
1) O concerto hoje está na periferia da cultura contemporânea. As orquestras
e a composição para orquestra eram o centro da vida musical no século 19.
Não mais. O declínio universal da educação musical coincide, ironicamente,
com o notável aumento da produção de instrumentistas altamente qualificados.
Mas para quem eles vão tocar?
2) Diminuiu o papel da música na cultura e também a demanda por música nova.
Com o declínio da importância da música nova, rompeu-se o vínculo entre
presente e passado que sempre foi decisivo para maestros. “Até a década de
60 do século 20 nenhum maestro fez carreira sem um comprometimento com a
música contemporânea”. E cita uma fieira de exemplos. Para Toscanini foi
Puccini; para Reiner foram Strauss, Bartok e Weiner; para Koussevitzky e
Stokowski foram Stravinski, Berg, Copland; e assim por diante.
3) A economia da música sinfônica é deficitária. Ela custa caro; nunca os
subsídios e patrocínios foram tão decisivos. O rádio primeiro, e depois o
disco, funcionaram como seus difusores. “Neste início de século 21, ambos
estão economicamente moribundos. Ironicamente, de novo, no momento em que
perdem a centralidade em importância cultural e política, as orquestras mais
dependem do Estado para subsídio e da iniciativa privada para patrocínio. O
fôlego destes últimos, porém, diminui a olhos vistos. O mercado reina
supremo. Apenas a chamada ‘elite’ parece preocupada com isso. Nas
democracias, é a maioria que influencia os gastos estatais. No setor
privado, os que possuem dinheiro buscam reconhecimento público por meio da
filantropia, e estão mais interessados nas artes visuais, da pintura ao
cinema”.
4) A tecnologia conspirou para tornar mais grave a situação das orquestras.
Apesar da crise atual da indústria fonográfica, o CD ainda é um formato
estável e praticamente indestrutível de estocagem de gravações. Isso sem
contar a pirataria digital e os downloads... “As técnicas de gravação
evoluirão, mas não reviveremos a era das gravações de orquestras. Qualquer
um que pode ir a um concerto tem à sua disposição dezenas de gravações. E os
maestros? Eles saem desesperados em busca da originalidade, quase sempre de
modo forçado.”
5) “Os concertos devem ter curadoria, como os museus. Nenhum museu coloca Da
Vinci ao lado de Mondrian e de uma obra nova de um jovem artista. O maestro
precisa ter uma explicação para as obras de um programa que vá além do ‘eu
quero’, ‘eu gosto’”.
Botstein anota que “a música clássica hoje parece exigir mais conhecimento
prévio do que realmente necessita”. E observa que “a ausência paralela de
expertise não desencoraja as pessoas de ir ao cinema, ao teatro, museus ou
galerias. Porém o ouvinte inteligente e ingênuo não é bem-vindo pelas
orquestras sinfônicas.” É claro que a música instrumental não é tão
acessível quanto as formas artísticas que utilizam palavras e imagens; ela
requer algum tipo de treinamento ou mediação. “Encontrar esta mediação é o
maior desafio de hoje. As soluções mais convenientes falharam – como as
tentativas de popularizar o repertório fatiando-o com truques de
entretenimento. O pior é o maestro que tenta fazer piadas com a platéia”.
Permanece sem solução o desafio de atrair platéias contemporâneas para um
ritual do século 19. Mas parte dela é o fato de que a música tem diante de
si hoje a maior e mais bem-educada platéia potencial em sua história, com
mais tempo de lazer, mais dinheiro disponível e maior expectativa de vida.
Estas são as realidades que o moderno maestro enfrenta, particularmente
quando assume a direção de uma orquestra.
Mas há milhares de orquestras em todo o mundo, e muitos aspirantes a
maestros. Como podem eles enfrentar este desafio? E no Brasil? Nunca, na
história do País, houve tantas orquestras como agora. Tomei um dos maiores
sustos da minha vida na semana passada, quando o IBGE divulgou pesquisa
sobre cultura no Brasil e anunciou que possuímos mais orquestras do que
escolas de samba: 638 sinfônicas contra 632 sociedades recreativas. Onde
estão estas orquestras? São orquestras mesmo? E os seus maestros e músicos?
Quem são, aonde se escondem? Mágica? Cartas e e-mails para a redação ou para
jmcoelho@terra.com.br.
segunda-feira, 24 de setembro de 2007
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário