quarta-feira, 27 de junho de 2007

a italiana em argel, por lauro machado coelho

A gesticulação estilizada, o uso de elementos coreográficos associados ao desempenho dos atores, a exploração de gags que partem de situações oferecidas pelo texto conjugaram-se para tornar muita viva e divertida a concepção cênica que Hugo Possolo ofereceu de A Italiana em Argel, a ópera cômica de Gioachino Rossini que estreou sábado no Teatro Municipal.
Há momentos, sem dúvida alguma, em que o abuso de ingredientes histriônicos rema contra a maré, pois eles distraem a atenção do público daquilo que deve ser o centro do espetáculo: a interpretação dos cantores. E há um ou outro traço dispensável – fazer dos eunucos do serralho um bando de drag-queens, por exemplo – por ser de gosto discutível.
Mas isso não chega a alterar a fluência e o potencial de comunicabilidade dessa Italiana in Algeri, um espetáculo muito bem dirigido, que se apóia nos coloridos cenários de Luís Frúgoli – a que não falta a alusão moderna: o elefante coroado por uma torre de petróleo, referência a um lado perverso das relações do Ocidente com o Oriente – e nos bonitos figurinos de Cássio Brasil, com bons achados: a silhueta caricatural do bey Mustafá; as transformações na indumentária de Taddeo, quando ele vai receber o título de “Kaimakan”; ou de Isabella, quando ela se paramenta para receber o bey. No conjunto, é uma montagem que respeita a natureza específica da ópera buffa, e funciona pela vivacidade rítmica e o bem integrado desempenho de seu elenco.
Físico do papel e adequação vocal se conjugaram para que a Isabella de Luisa Francesconi fosse elegante e feminina mas, ao mesmo tempo, com a dose certa de malícia e determinação, para manipular tanto o bey quanto Taddeo, seu azarado pretendente. Talvez fosse necessário um pouco mais de energia no rondó “Pensa alla patria”, do segundo ato (embora isso se deva, talvez, mais à opção da regência); mas a mistura de melodia lânguida e coloratura vertiginosa de “Cruda sorte... Già so per pratica”, a ária di sortita da personagem, demonstra que Francesconi terá, no decorrer da temporada, condições de fazer da protagonista uma composição bem trabalhada.
Boa surpresa foi o timbre delicado de André Vidal. De voz pequena mas de ótimo polimento, ele é um típico tenore di grazia, muito à vontade no repertório belcantístico, pela leveza e a facilidade demonstrada na ornamentação. Foi muito satisfatório o seu rendimento tanto nas árias – em especial “Languir per una bella... Contento quest’alma”, do primeiro ato – quanto nas cenas de conjunto. Outro tanto se pode dizer de Denise Tavares embora, em determinados momentos, pareça faltar à sua Elvira um pouco mais de presença vocal.
Os extremos graves da tessitura e as exigências de agilidade no silabato apresentam, para Stephen Bronk, dificuldades que não podem ser ignoradas; mas que ele supera com a opulência de um registro de belos colorido, e com um talento cênico que, para quem está acostumado a vê-lo em papéis sérios, demonstra-se agora ser igualmente desenvolto em partes cômicas. O preciso equilíbrio na corda bamba da caricatura fez de seu Mustafá – e com toda justiça – o merecedor da salva de aplausos mais estrondosa, nos cumprimentos finais.
Para quem, no sábado, estava visivelmente indisposto, foi apreciável o desempenho de Douglas Hahn como Taddeo. Apesar de problemas evidentes no primeiro ato – no final do dueto “Ai capricci della sorte”, por exemplo – sua participação, no segundo, foi bem mais equilibrada; e tudo indica que, nas demais récitas, ele poderá mostrar, da personagem, a sua melhor face. Tanto Edinéia de Oliveira (Zulma) quanto José Galisa (Haly) investiram, em suas personagens de apoio, a costumeira classe e experiência.
A preferência de Jamil Maluf por andamentos mais pausados, embora isso contrarie às vezes a exuberância característica da música de Rossini, talvez se explique pela preocupação em oferecer aos cantores condições mais confortáveis de articulação e emissão, sobretudo nas elaboradas cenas de conjunto. Mas, na realidade, a opção pelo pianissimo nas passagens intermediárias do septeto “Confusi e stupidi” fez esse hilariante finale do primeiro ato perder um pouco de seu brilho. Ainda assim, à frente da Experimental de Repertório que, à exceção de alguns desacertos nos metais – o solo de trompa na entrada de “Languir per una bella”, por exemplo – teve um bom desempenho, Maluf foi capaz de garantir ao espetáculo um ritmo estável.

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