quarta-feira, 11 de abril de 2007

josé serra e a música, por joão batista natali

O governador José Serra não é um homem inculto. Economista com boa carreira acadêmica, tem ainda grande experiência na gestão de políticas públicas. Mas a música erudita não está entre seus campos de interesse. Talvez apenas por isso ele corra o risco de, já no início do governo, colocar no currículo o título duvidoso de coveiro da Osesp, a Orquestra Sinfônica do Estado. É essencialmente essa a dimensão do processo de fritura do diretor artístico John Neschling, que se confunde com um dos únicos projetos coletivos da cultura brasileira a se tornar uma ilha de excelência de reconhecimento mundial. O maestro tem a reputação de estrela idiossincrática, de egocentrismo mal-humorado, de excessivamente caro. O que importa, no entanto, é o produto de um trabalho que deu aos brasileiros uma auto-estima elevadíssima em termos de produção de música sinfônica. Neschling tem com a Osesp uma relação osmótica. Não há como demiti-lo sem que se expatrie parte dos músicos estrangeiros que ele trouxe, sem que se abandone a ousadia do repertório ou se engavete a projeção externa do Brasil por suas turnês e gravações. E, sobretudo, sem que vá a pique a rotina de elevada cultura para os milhares que freqüentam os três concertos semanais da Sala São Paulo.
Há para o governador um outro ponto potencial de desonra. É o de acabar com o Teatro São Pedro ou transformar sua recente vocação de espaço experimental para óperas. Foram dez produções no ano passado -duas a mais que no Teatro Municipal. O teatro está sendo cobiçado pelo olho gordo de produtores que gravitam em torno do tucanato. "Bravo, bravíssimo", como diria ironicamente um personagem de "Don Giovanni", ópera picaresca de Mozart. Serra estaria apenas seguindo o mau exemplo do prefeito Gilberto Kassab, que permitiu o recente desmantelamento do Quarteto de Cordas da Cidade de São Paulo. Se seus músicos erraram, que sejam punidos por multas ou suspensão. Afastá-los e abrir concurso para substituí-los não assegura a manutenção do mesmo padrão. Um conjunto de câmara apenas vai adiante com afinidades estéticas que permitam mergulhar no repertório com uma aguda simetria nos planos técnico e musical. A Osesp, o São Pedro e o quarteto podem caminhar para a vala comum das grandes frustrações brasileiras no campo da música erudita, que não sobrevive em nenhum canto do mundo sem o amplo apoio de governantes -mesmo nos Estados Unidos, onde o Estado entra no jogo por meio da renúncia fiscal. O resto é birra, é pirraça, é estreiteza de visão. Atributos que o governador certamente não quer ter acoplados a sua imagem.

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